Abusos na utilização do SNS por não residentes: um problema difícil de resolver
Em 2023, 43 mil pessoas foram tratadas no SNS e não estavam abrangidas por seguros, protocolos, convenções internacionais, acordos de cooperação ou pelo Cartão Europeu de Seguro de Doença.
Em Julho deste ano, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, reconhecia que há doentes estrangeiros que vêm a Portugal apenas para fazerem tratamentos bastantes dispendiosos no SNS. O tema entrou na agenda política em força pela voz do Chega, que, através da deputada Marta Silva, questionou o Governo na Assembleia da República. Mas, continuava a ministra, “para podermos intervir, temos de ter os números” dos não residentes que procuram os hospitais ou os centros de saúde para se tratarem.
Na semana passada, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), avançou então com esses números: no ano passado, foram mais de 102 mil pessoas não residentes em Portugal tratadas no SNS. Entre essas pessoas, 43 mil não estavam abrangidas por seguros, protocolos, convenções internacionais, acordos de cooperação ou pelo Cartão Europeu de Seguro de Doença.
O número pode ser preocupante e deixar no ar a ideia que os contribuintes que fazem descontos em Portugal estão a alimentar um fluxo de turismo de saúde abusivo e ilegal. Porque na grande maioria dos casos, os hospitais têm uma enorme dificuldade em receber os valores dos tratamentos que prestam. Enviar uma factura para um endereço no Brasil, em Angola ou na Alemanha e esperar pelo seu pagamento é quase sempre uma tarefa condenada ao fracasso.
Mas, há um outro lado da moeda que o relatório do IGAS não preenche. Das 102 mil pessoas tratadas em Portugal, quantas serão turistas que, de forma natural, precisaram de cuidados médicos? Recorde-se que, no ano passado, Portugal foi visitado por mais de 26 milhões de estrangeiros. Depois, quantas dessas pessoas são imigrantes que trabalham e descontam cá, ainda que não tenham concluído o seu processo de regularização? O relatório não fornece estas respostas, mas os indícios acumulados pelos hospitais e as provas recolhidas na internet dão conta da existência de redes organizadas que ensinam ou organizam viagens de estrangeiros para aproveitarem a generosidade do SNS.
Pela lei, nenhuma pessoa pode ser impedida de entrar num hospital e receber tratamento, seja estrangeiro ou não, possa pagar ou não. Uma nota mais: quem o faz, não são os pobres, mas quem tem informação e dinheiro para viajar até Portugal para, dessa forma, beneficiar com a qualidade do SNS e evitar os altos custos da saúde nos seus países de origem. Como se resolve este problema? Como conseguimos manter a universalidade do SNS e ao mesmo tempo evitar abusos dos que o procuram pelo facto de ser gratuito?
Para nos falar sobre estas questões, temos neste episódio Xavier Barreto, presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares.
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