ONU: integrar respostas à seca na Convenção da Desertificação pouparia biliões

Todos os anos, a degradação dos solos e a seca causam prejuízos de 878 mil milhões de dólares. Mas combater estes males traria ganhos de 1,8 biliões de dólares, ouviu-se na COP da desertificação.

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Seca no Quénia, com uma vaca esfomeada Siegfried Modola/Reuters
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Se tudo continuar como hoje, em 2050, três em cada quatro habitantes da Terra estarão a sofrer com os impactos da seca, que não se reflectem apenas na produção e alimentos e acesso à água. As colheitas podem ficar reduzidas a metade, e os preços subir 30%, intensificando a insegurança alimentar, problemas de saúde, conflitos. No entanto, não há um mecanismo internacional adequado para prever e preparar a resposta às secas, que se estão a tornar cada vez mais frequentes e graves por causa das alterações climáticas. Esse é o tema da 16ª Conferência da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação,

As negociações para criar um novo regime global para a seca são o tema dominante da COP16 da Desertificação, que decorrem durante as próximas duas semanas em Riad, na Arábia Saudita. Arranjar financiamento é uma das preocupações; é preciso arranjar 2,5 biliões de euros para investir até ao final desta década para concretizar a luta contra a desertificação, segundo um relatório divulgado nesta terça-feira em Riad,

“Nunca tantas pessoas foram afectadas pela degradação dos solos e pela seca; 40% dos solos férteis estão degradados. E os resultados são graves: aumento das desigualdades, fome, pessoas deslocadas. A economia e a sobrevivência de muitas pessoas em risco, ambiente destruído e as fundações da paz, estabilidade e segurança abaladas”, afirmou a vice-secretária-geral das Nações Unidas, Amina Mohammed, numa mensagem gravada endereçada à COP16 da desertificação, em Riad.

“Mas estão em Riad para mudar esta maré”, recordou aos participantes Amina Mohammed.

Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da Convenção da Desertificação, expressou a esperança de que esta COP de Riad seja recordada como o momento em que foram adoptadas decisões importantes sobre a seca, para reforçar os mecanismos da Convenção.

Há sete propostas na mesa, que incluem uma emenda ao texto, declarações políticas, desenvolvimento de protocolos específicos, entre outras. O Grupo Africano apelou que seja criado um instrumento legal vinculativo que permita aos países cumprir as suas prioridades e compromissos nacionais.

Dinheiro a menos

Algumas iniciativas foram já aprovadas. Uma delas é a Parceria para a Resiliência Global contra a Seca de Riad, anunciada pela Arábia Saudita, que conseguiu captar 2150 milhões de dólares (2040 milhões de euros) em dinheiro público e privado para apoiar 80 dos países mais vulneráveis à seca no mundo inteiro. É uma soma longínqua ainda dos desejados 2,5 biliões de euros.

Esta soma, muito citada nesta conferência de Riad, é o valor cumulativo do investimento necessário entre 2016 e 2030 para que a Convenção da Desertificação seja plenamente aplicada, diz o estudo Investir no Futuro da Terra: Avaliação das Necessidades Financeiras para a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação

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Homem procura água no lago Puraquequara, em Manau, afectado pela seca BRUNO KELLY/REUTERS

Até agora, apenas 489 mil milhões de dólares (455,500 milhões de euros) foram de facto concretizados, o que representa uns meros 18% do valor estimado como necessário para cumprir os objectivos, salienta o relatório.

É em África que se nota a principal lacuna de financiamento, estimada em 191 mil milhões de dólares por ano (181,640 milhões de euros). É a fatia de leão da falta de 278 mil milhões de dólares (264 mil milhões de euros) contabilizada para que o mundo invista anualmente os 355 mil milhões dólares (337 mil milhões de euros) considerados necessários para combater a seca e a degradação dos solos.

Baixar os braços e não fazer nada tem um custo elevado. Todos os anos, a desertificação, degradação dos solos e a seca causam prejuízos no valor de 878 mil milhões de dólares (834,100 milhões de euros), a nível internacional.

Mas se restaurássemos mil milhões de hectares (uma área equivalente ao território do Canadá), através de vários tipos de intervenções, diz o relatório, é possível gerar ganhos de 1,8 biliões de dólares anualmente (1,7 biliões de euros). “Cada dólar investido no combate à seca, degradação dos solos e desertificação gera um benefício social no valor de oito dólares”, diz o relatório.

Preparar a resiliência à seca

Em Riad foi também apresentado o Observatório Internacional de Resiliência à Seca, uma plataforma global com base em inteligência artificial que pretende dar informação a tanto a decisores políticos como comunidades para se poderem preparar para enfrentar situações de seca. “Há muita informação sobre resiliência à seca em termos globais, mas está espalhada e é difícil aceder a ela. O Observatório permitirá aceder rapidamente a conhecimento específico e ferramentas necessárias para antecipar, preparar-se e adaptar-se aos desafios da seca”, afirmou Anna Dyson, do Centro Yale para Ecossistemas e Arquitectura, citada num comunicado das Nações Unidas.

Esta é ainda uma versão experimental: a versão completamente operacional deverá estar pronta para a próxima cimeira da Convenção da Desertificação que se realiza na Mongólia, em 2016.

Outra iniciativa destinada a conhecer melhor a seca e os riscos que desencadeia a nível global é o Atlas Mundial da Seca. Foi desenvolvido pelos cientistas do Centro de Investigação em Comum da Comissão Europeia (JRC, na sigla em inglês) e apresentado na COP na Arábia Saudita.

Na origem da crise global da água, que já forçou 1500 milhões de pessoas a passar para lá doa limites do uso “seguro e justo” da água, estão precisamente as actividades humanas, incluindo a sobreexploração e a poluição. A agricultura é uma parte importante, uma vez que usa 70% dos recursos se água doce – mas é também afectada pela falta de água, aponta o estudo.

“As secas e a escassez de água são uma dura realidade na Europa e no mundo. Afectam a escolha do local onde vivemos e como lá vivemos, como nos alimentamos”, comentou Jessika Roswall, comissária europeia para o Ambiente, Resiliência na Água e Economia Circular Competitiva, que chefia a delegação europeia à COP16 da Desertificação. “O novo Altas Mundial da Seca vai apoiar a cooperação global em resiliência à seca. A UE continua empenhada em colaborar com os parceiros internacionais”, assegurou, citada num comunicado de imprensa.