Atlântida, o último cinema de bairro da linha de Cascais, está à venda
Câmara de Cascais está interessada em comprar e manter o espaço, aberto há mais de 40 anos em Carcavelos, como cinema e auditório.
Foi em Maio que o Atlântida Cine, em Carcavelos, anunciou um encerramento temporário “para férias e obras de melhoramento”. Os frequentadores mais assíduos logo estranharam: era habitual o cinema fechar durante algum tempo todos os anos, mas geralmente em Agosto, aproveitando a menor afluência às salas e a distribuição de filmes menos atractivos.
Ainda assim, as muitas mensagens que os espectadores foram deixando na página de Facebook do Atlântida eram sobretudo esperançosas. “Voltem rápido! Melhor cinema da linha!”, escreveu uma pessoa. “O Atlântida é um bem cultural raro. Não se pode perder”, opinou outra.
O cinema está neste momento à venda, confirmou ao PÚBLICO um dos filhos do proprietário e fundador do Atlântida. “Não posso divulgar mais informações de momento, a não ser que está à venda”, disse Alexandre Semedo. A expectativa, tanto dos actuais proprietários como da administração do centro comercial em que está o cinema, é de que este mantenha a sua função cultural. “O cinema, em princípio, vai abrir, mas com outros donos”, acrescentou Alexandre Semedo.
Autarquia quer comprar
A Câmara de Cascais está interessada no Atlântida, e fonte oficial garante que até já “iniciou conversações para a compra deste espaço”. A intenção da autarquia, acrescenta, é “mantê-lo como cinema e auditório”.
O Atlântida Cine abriu portas em 1983 na cave do Centro Comercial de Carcavelos, uma das muitas galerias comerciais em voga naquela década que surgiram em localidades de todo o país. É o espaço mais antigo do centro, hoje ocupado maioritariamente por salões de manicure e de estética, a dois passos da estação de comboios.
A vila de Carcavelos, no concelho de Cascais, teve em tempos outra sala de cinema: o Vitória Cine, que posteriormente foi um ginásio e viria a ser demolido, em 2017, para no seu lugar ser construído o Criarte, uma sala cultural polivalente, por iniciativa da Câmara de Cascais.
Com o encerramento generalizado das salas independentes e de rua e a criação de mais multíplices em centros comerciais, o Atlântida passou a deter o título de último cinema de bairro de toda a linha de Cascais, da Grande Lisboa (excluindo a capital) e um dos poucos ainda em funcionamento no país.
Isso deveu-se, em grande medida, à perseverança do seu fundador, Fausto Semedo, que deixou Moçambique para vir abrir o Atlântida e que, no início dos anos 1990, quando os cinemas de rua estavam já em declínio, decidiu criar mais uma sala.
“A linha [de Cascais] tinha alguma quantidade de salas de cinema, umas dezenas, praticamente ficámos nós sozinhos”, constatou, em 2022, num breve vídeo produzido pela União de Freguesias de Carcavelos e Parede. “A nossa sala gostaria de ter mais público”, admitiu então, lamentando a concorrência da televisão, que dizia “roubar muitos espectadores” aos cinemas.
Apesar disso, nos últimos anos, o Atlântida manteve os seus fiéis e até conseguiu captar novos públicos – carcavelenses que nunca lá tinham posto os pés e estrangeiros recém-aportados passaram a ser caras reconhecíveis nas sessões. Chegavam atraídos por uma programação ecléctica, que combinava as apostas seguras de bilheteira (Oppenheimer ou Pobres Criaturas, por exemplo) com filmes de géneros e geografias variados (Debaixo das Figueiras ou A Sala de Professores).
Mas a patine era o que também fazia a casa. Como em mais nenhum outro cinema, no Atlântida as sessões eram precedidas por Nat King Cole, Ella Fitzgerald e outras vozes do jazz. O gongo soava duas vezes e a cortina abria-se de par em par enquanto as luzes diminuíam – uma raridade que constituía motivo de espanto para espectadores novatos, muitas vezes impelidos a gravar tudo com o telemóvel.
Os últimos filmes a serem exibidos, em Maio, foram A Natureza do Amor e Ainda Temos o Amanhã. Os cartazes ainda lá estão.