Contestação à exoneração da presidente do CCB sobe de tom e chega à Europa

Destituição de Francisca Carneiro Fernandes suscita críticas e pedidos de “transparência” vindos de duas redes de teatros e da federação de música e artes performativas. O PS quer ouvir a ministra.

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Francisca Carneiro Fernandes foi exonerada na sexta-feira pela ministra da Cultura, Dalila Rodrigues Nuno Ferreira Santos
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Duas importantes organizações do circuito das artes performativas europeias contestaram esta segunda-feira, em cartas abertas, o afastamento de Francisca Carneiro Fernandes da presidência da administração do Centro Cultural de Belém (CCB). A Union des Théâtres de l’Europe (UTE) junta-se à petição lançada no sábado e dirigida ao primeiro-ministro português, manifestando “surpresa” pela exoneração “sem qualquer justificação” de uma profissional cuja “excelência como administradora e gestora [cultural] é amplamente reconhecida Europa fora”; a Pearle, a federação europeia de organizações de música e espectáculos, “lamenta a decisão do Governo português” e pede “transparência” sobre os fundamentos da decisão. Também o director da rede Prospero, de que o CCB está prestes a tornar-se membro, lamenta a situação.

Presidida pelo premiado encenador Gábor Tompa, que já trouxe vários dos seus trabalhos a Portugal, a UTE sublinha em comunicado a “força criativa e as capacidades extraordinárias de reunião” de talentos de Francisca Carneiro Fernandes e recorda como “vital” o contributo da ex-administradora do CCB para esta rede, enquanto a gestora cultural ali representou o Teatro Nacional São João. Surpreendida pela decisão que a ministra da Cultura Dalila Rodrigues anunciou na sexta-feira sem adiantar "qualquer justificação que refute a excelência da prestação” da agora ex-presidente da administração do CCB, a UTE sublinha que as competências de Francisca Carneiro Fernandes criaram “uma referência” para a organização e para outras “entidades transnacionais” do sector cultural.

A Pearle, principal federação europeia do sector da música e das artes performativas, condena igualmente “a decisão do Governo português de destituir Francisca Carneiro Fernandes”, ao mesmo tempo que “apela à transparência e ao esclarecimento dos motivos deste despedimento e à correcta aplicação dos procedimentos a seguir nestes casos, no interesse de todos”.

Congregando mais de 13 mil entidades, espaços e gestores culturais europeus, a Pearle elogia o contributo “valioso” de Francisca Carneiro Fernandes para esta organização e postula: “Tem sido uma força motriz na criação de uma associação colaborativa em Portugal nas artes performativas e contribuiu largamente para o desenvolvimento de um estatuto específico do artista em Portugal”, lê-se no comunicado, numa referência ao Estatuto dos Profissionais da Área da Cultura, que entrou em vigor de forma faseada em 2022, e em cuja criação a ex-dirigente do CCB participou, a par de muitas outras entidades do tecido cultural português, como presidente da associação Performart.

PS quer explicações

Por cá, o PS já requereu a presença da ministra da Cultura no parlamento, com carácter de urgência, para prestar esclarecimentos sobre o "novo rumo" do CCB e as opções políticas do Governo para aquele equipamento. O requerimento vai ser votado esta terça-feira na Comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto.

Foi ao final da tarde de sexta-feira que a ministra da Cultura afastou Francisca Carneiro Fernandes, invocando “necessidade de imprimir nova orientação” à Fundação CCB. Nomeada pelo anterior governo socialista em Dezembro de 2023, a gestora disse ao PÚBLICO ter sido “surpreendida” pela decisão da ministra, fazendo um balanço positivo do ano em que conduziu a administração do centro cultural lisboeta. A decisão foi tomada no último dia útil do prazo legal plasmado no Estatuto do Gestor Público para uma destituição "por mera conveniência", ou seja sem obrigação de fundamentar a decisão ou de pagar indemnização.

Francisca Carneiro Fernandes será substituída no cargo pelo historiador de arte e director da delegação francesa da Fundação Calouste Gulbenkian Nuno Vassallo e Silva, que entrará em funções em Janeiro. Os outros dois administradores da fundação, Delfim Sardo e Madalena Reis, mantêm-se.

Considerando que é reconhecido "o impulso" dado ao CCB no mandato que a ministra da Cultura optou por interromper, e admitindo embora que as nomeações são uma opção do Governo e podem assentar "em critérios exclusivamente políticos e da responsabilidade da tutela", os deputados do PS entendem que "cumpre aferir o que se pretende para o futuro do CCB e para a política cultural de apoio às artes, que fica uma vez mais em causa com as opções que estão a ser seguidas e que estão a causar inquietação no sector e agentes culturais".

A exoneração de Francisca Carneiro Rodrigues gerou de imediato contestação, primeiro através de uma carta da comissão de trabalhadores da fundação, que “lamenta profundamente” o afastamento de uma presidente que demonstrou “abertura de diálogo e vontade imediata de resolver falhas sistémicas” no CCB. Um dia depois, no sábado, surgiu a petição pública que exige “uma clarificação da situação criada" pela “ministra, considerando "claramente insuficiente o argumento do 'novo rumo'". A petição pública assumiu a forma de uma carta aberta a Luís Montenegro que questiona por que razão este afastamento teve lugar antes da "apresentação à tutela dos objectivos estratégicos 2025/2027 solicitados pela ministra".

Esta petição, à qual se juntam agora os teatros membros da UTE (o português Teatro Nacional São João; os italianos Piccolo Teatro di Milano – Teatro d’Europa e Teatro di Roma, o romeno Teatro Húngaro de Cluj; o Théâtre National du Luxembourg; o Teatre Nacional de Catalunya; o Yugoslav Drama Theatre, da Sérvia; o Teatro Nacional do Norte da Grécia; o SNG Drama Ljubljana, da Eslovénia; o Theatre Laboratory Sfumato, da Bulgária; os Prague City Theatres, da Chéquia; e o húngaro Miskolc National Theatre), foi subscrita também pela directora do Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém, a espanhola Nuria Enguita, e pela directora do CCB para as artes performativas e o pensamento, Aida Tavares, ambas nomeadas durante o mandato de Francisca Carneiro Fernandes. À hora da publicação deste artigo, a carta aberta contava já com mais de 1500 signatários.

Também o encenador Serge Rangoni, director do Théâtre de Liège, na Bélgica, considerou “uma surpresa” o afastamento de Francisca Carneiro Fernandes — “a primeira mulher presidente da Fundação CCB e que depois só dura um ano no cargo, é muito estranho” —, que vê como um risco. Além de ter assinado a petição pública lançada no sábado, enviou esta manhã uma carta à ministra da Cultura, manifestando a sua preocupação.

“Estávamos a trabalhar na Prospero New [ramificação da rede Prospero – Extended Theatre, uma plataforma apoiada pelo programa Europa Criativa da Comissão Europeia] para apoiar o desenvolvimento de jovens artistas no teatro”, diz ao PÚBLICO Serge Rangoni, “e o CCB, com a presidência de Francisca Carneiro Fernandes, estava a integrar esta plataforma”. O último ano do CCB foi, considera, pautado pelo “desenvolvimento de novas produções europeias mais abertas de dança e teatro”.

Numa altura em que está praticamente formalizada a adesão do CCB a esta rede europeia, Serge Rangoni diz ter “medo de perder um parceiro muito importante” e lembra que "o nome do projecto Prospero foi dado por António Mega Ferreira quando estava no CCB”.

Até aqui tendo como único representante português o São Luiz Teatro Municipal, que aderiu à rede quando tinha como directora artística Aida Tavares, actualmente no CCB, a Prospero contará com 19 membros no novo ciclo que se inicia em 2025, entre os quais o Festival de Avignon e o Wiener Festwochen: Théâtre de Liège e NTGent (Bélgica), Festival Temporada Alta (Espanha), CCB (Portugal), Teatro Nacional ⁠Ivan Franko (Ucrânia), Teatro Nacional Ivan Vazov (Bulgária), Teatro Nacional de Kaunas (Lituânia), Teatro Nacional de Praga (Chéquia), Teatro ⁠Powszechny (Polónia), Schaubühne am Lehniner Platz (Alemanha), Festival Internacional de Teatro de ⁠Sibiu (Roménia), Centro Cultural ⁠Onassis (Grécia), Teatro Municipal de Gotemburgo (Suécia), Teatro Nacional Croata Ivan Vazov (Croácia), Festival de Teatro de Dublin (Irlanda) e Festival Internacional de Teatro de ⁠Tbilissi (Geórgia).

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