Restaurar os solos degradados a nível mundial e conter o avanço dos desertos exigirá um investimento de pelo menos 2,5 biliões de euros até ao final da década, disse à Reuters o secretário executivo da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação, quantificando este custo pela primeira vez.
As secas mais frequentes e severas aumentaram 29% desde 2000, em resultado das alterações climáticas e também de formas insustentáveis de gestão dos solos. Combinadas com as necessidades alimentares de uma população mundial em crescimento, estas secas significam que as sociedades correm um maior risco de perturbação, se não forem tomadas medidas, referiu Ibrahim Thiaw, a propósito da abertura, nesta segunda-feira, em Riad, na Arábia Saudita, da 16ª Conferência da Convenção da ONU para a Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês), que decorre entre 2 e 13 de Dezembro.
Neste momento, três mil milhões de pessoas sofrem já o impacto da degradação dos solos, e desertificação, dizem as Nações Unidas. Na reunião de duas semanas tem como objectivo encontrar formas de reforçar a resistência do mundo à seca, nomeadamente através do endurecimento das obrigações legais dos Estados, da definição dos próximos passos estratégicos e da garantia de financiamento às medidas delineadas.
Uma grande parte dos cerca de mil milhões de euros diários necessários terá de vir do sector privado, avisou Thiaw.
“A maior parte dos investimentos na recuperação dos solos no mundo é proveniente de fundos públicos. Mas isso não é correcto. Porque, essencialmente, o principal motor da degradação dos solos mundialmente é a produção alimentar... que está nas mãos do sector privado”, afirmou Thiaw. Só que, actualmente, o sector privado fornece apenas 6% do dinheiro necessário para reabilitar os solos degradados.
“Como é que uma mão está a degradar a terra e a outra tem o encargo de a restaurar e reparar?”, acrescentou o secretário, reconhecendo simultaneamente a responsabilidade dos governos na definição e aplicação de políticas e regulamentos de boa utilização dos solos. Com uma população em crescimento, o mundo precisa de produzir o dobro dos alimentos na mesma quantidade de solo e o investimento do sector privado será fundamental, concluiu.
A agricultura, espada de dois gumes
A agricultura é fundamental para a alimentação da humanidade, mas tem um impacto indelével no planeta. Se é praticada de forma insustentável, tem um papel determinante na degradação dos solos e na capacidade do planeta continuar a alimentar-nos, destaca o relatório Limites Planetários: Confrontar a Crise Global da Degradação dos Solos, publicado pela Convenção para a Desertificação no domingo.
Então precisamos da agricultura, mas temos de reduzir o seu impacto. A agricultura responde por 23% das emissões de gases com efeito de estufa a nível global, 80% da desflorestação, e 70% do uso de água doce no planeta. É assacada à agricultura 60% da responsabilidade pela deterioração dos solos causada pela actividade humana, segundo a Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO) das Nações Unidas.
"A agricultura convencional é a principal culpada da degradação dos solos, porque contribui para a desflorestação, erosão dos solos e poluição. As práticas insustentáveis de irrigação esgotam os recursos de água, e o uso excessivo de fertilizantes à base de azoto e fósforo desestabilizam os ecossistemas", lê-se no relatório.
A degradação dos solos está a “minar a capacidade da Terra sustentar a humanidade”, porque os solos degradados são colheitas cada vez menores, e com pior qualidade nutricional, o que um impacto directo na vida das pessoas. Isto aumenta a dependência de fertilizantes e adubos, e faz crescer a conversão de terras para a agricultura.
O relatório avisa que é preciso reverter este processo. “Se não, as gerações futuras vão enfrentar grandes desafios”, conclui. Cerca de 15 milhões de quilómetros quadrados - uma área maior do que a Antárctida - de solo em todo o mundo estão já degradados e esta zona de desastre está a aumentar ao ritmo de um milhão de quilómetros quadrados por ano, acrescenta o estudo.
O bico de obra do dinheiro
As conversações na Arábia Saudita seguem-se às conferências das duas outras grandes convenções ambientais da ONU: a da biodiversidade, em Outubro, e a das alterações climáticas, em Novembro. A quinta ronda de conversações para a elaboração de um tratado sobre a poluição de plásticos terminou este fim-de-semana também, embora sem sucesso.
Nestas grandes conferências internacionais, a pressão para manter o status quo das nações produtoras de petróleo e o financiamento - ou a falta dele - tiveram papeis centrais, levando a resultados inconclusivos.
Para atingir os 2,5 biliões de euros de investimento que Thiaw diz serem necessários - um valor equivalente à produção económica anual de França, por exemplo -, o mundo precisa de colmatar uma lacuna anual de 264 mil milhões de euros anuais. Em 2022, apenas 63 mil milhões de euros foram investidos na luta contra a desertificação, segundo a ONU.
No entanto, chegar a acordo sobre o endurecimento das obrigações legais dos Estados será um dos acordos mais difíceis de alcançar, declarou Thiaw. Alguns países “não estão preparados para que haja outro instrumento legal juridicamente vinculativo”, embora alguns defendam que isto é necessário.
Alguns países já se comprometeram com o objectivo sugerido por um artigo científico de que a Terra poderia beneficiar tendo mais 900 milhões de hectares de floresta, tanto para tirar carbono da atmosfera, como para regenerar solos e biodiversidade. Outros falam na necessidade de estabelecer um objectivo mais ambicioso, de 1,5 mil milhões de hectares, e acelerar o ritmo.
Se não se chegar a acordo na conferência da Convenção da Desertificação sobre as medidas a tomar para recuperar os solos degradados, isso acabará por prejudicar os esforços paralelos liderados pelas Nações Unidas para controlar as emissões de gases com efeito de estufa prejudiciais ao clima e proteger a biodiversidade, descreveu Thiaw.
“Os recursos de que estamos a falar não são caridade”, frisou o secretário, referindo-se aos 2,5 biliões de investimento que são necessários para o combate à desertificação.
“Por isso, é importante que vejamos isto não como um investimento para os africanos pobres, mas como um investimento que manterá o mundo equilibrado”, concluiu.