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O gaúcho Lourenço Cazarré vence prêmio e terá primeiro livro lançado em Portugal
Brasileiro concorreu com mais de 60 ficcionistas lusodescendentes e portugueses que vivem fora do território luso. Breve Memória de Simeão Boa Morte e Outros Contos Poéticos acaba de sair da gráfica.
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O escritor brasileiro Lourenço Cazarré, 71 anos, venceu a 5ª edição do Prémio Imprensa Nacional Ferreira de Castro, em Portugal, com a obra Breve Memória de Simeão Boa Morte e Outros Contos Poéticos. O concurso literário, apoiado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, reúne ficcionistas lusodescendentes e portugueses que residem fora do território luso. Além de 5.000 euros (R$ 32 mil), o prêmio prevê a publicação da obra. O livro saiu da gráfica na semana passada, em Lisboa. Será o primeiro lançamento de Cazarré em Portugal.
O escritor, que nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, é descende de portugueses de Cinfães, que emigraram no final do século XX para o Brasil. Cazarré é formado em jornalismo e já publicou dois romances, duas novelas, sete coletâneas de contos e mais de duas dezenas de livros para jovens. No Brasil, ganhou vários prêmios, entre eles, o Jabuti de Literatura Infanto-Juvenil (Nadando Contra a Morte, 1998), Biblioteca Nacional (Os Filhos do Deserto Combatem na Solidão, em 2018) e Paraná de Literatura (Kzar Alexandre, O Louco de Pelotas, em 2018).
O gaúcho venceu, ainda, em duas oportunidades, o maior concurso literário brasileiro dos anos de 1980, a Bienal Nestlé, tanto em conto quanto em romance. A 5ª edição do Prêmio Ferreira de Castro computou 69 candidaturas provenientes da Bélgica, do Reino Unido, dos Estados Unidos, de Cabo Verde, do Brasil, da França, da Irlanda, da Suíça, da Espanha, do Canadá, do Sri Lanka e de Portugal.
Cazarré diz que reuniu cinco contos no livro. “O mais extenso, e que dá nome à obra, fala sobre a história de um alienista gaúcho, Simeão Boa Morte, que acusa Machado de Assis de plágio. Diz Simeão que as histórias contadas em O Alienista (cujo protagonista é o alienista Simão Bacamarte), um dos maiores contos de Machado, ocorreram antes com ele, que teve uma casa de alienados no Sul do Brasil”, detalha. “É uma brincadeira que, certamente, vai divertir muito aqueles que são leitores do maior escritor brasileiro”, acrescenta.
Língua portuguesa
O autor explica que a expressão “contos poéticos” vem do fato de dois dos textos terem como origem poemas em redondilha maior, a partir dos quais escreveu a narrativa. “O conto que abre o livro, e que também podemos dizer que é de humor, descreve uma tediosa reunião literária, para leitura de um poema, na qual participa, tremendamente encaceteado, o escritor Graciliano Ramos”, ressalta. “Por fim, há um conto dramático ou trágico, nem sei como chamá-lo, protagonizado por uma mulher que presencia um fato inusitado, surpreendente”, emenda.
Cazarré fala da diferença entre escrever um livro e escrever para jornais. “Fui cursar jornalismo porque pretendia ser escritor. Achei que eram profissões semelhantes. Levei muitos anos para perceber que não era bem assim. Mas, com o jornalismo, ganhei a disciplina para escrever todos os dias. E muitas horas”, relata. E enfatiza: “O objetivo do jornalismo é, ou deve ser, a busca da verdade. O da literatura, a invenção”.
Segundo ele, no começo, como muitos jovens autores, estava concentrado apenas na fabulação sobre que histórias deveria contar. “Depois, mais maduro, passei a me preocupar, principalmente, com a ferramentaria, o uso criativo da língua portuguesa”, assinala. “Aliás, gosto de dizer que meu livro mais recente, a novela O Soldado Amarelo, baseada numa tocaia sofrida Graciliano Ramos, em 1929, é uma obra sobre a língua portuguesa, pois conta como um militar, para se salvar de uma punição, recorre à linguagem ensaboada dos políticos”, frisa.
O prêmio conquistado em Portugal tem significado especial para Cazarré, que visitou o país pela primeira vez em 1994. “Depois, como minha filha viveu em Lisboa, de 2016 a 2018, fui várias vezes ao país. Na primeira viagem, quando cheguei à Baixa, em Lisboa, achei que estava em Pelotas, uma cidade cuja área central é como um tabuleiro de xadrez”, afirma. “Observando aqueles senhores de boina ou boné, lembrei-me do meu pai e dos meus tios que usavam aquelas mesmas coberturas cranianas. Observando aquelas senhoras de vestidos escuros, com florinhas, lembrei-me de minhas tias e avós. Portanto, me senti em casa”, complementa.
Para Cazarré, nos dias de hoje, o diferencial mais marcante entre Portugal e Brasil é a questão da segurança, que, por sinal, tem motivado muitos brasileiros a cruzarem o Atlântico todos os anos para fixar residência no país europeu. “Parece-me que os lusitanos ainda gozam de uma segurança de movimentar-se que é semelhante a que sentíamos no Brasil nos anos de 1960. E que perdemos”, compara.