Forró em Portugal rompe fronteiras, desafia estereótipos e une culturas

De uma tradição nordestina brasileira a um fenômeno multicultural na Europa, o forró se reinventa como um espaço de inclusão e diálogo social em Portugal.

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Para o professor Tiago Braz, o forró, como outras formas de arte, é uma maneira de questionar o machismo e até a homofobia Arquivo pessoal
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O som da sanfona, do triângulo e da zabumba ecoa nas noites portuguesas, trazendo consigo não apenas passos de dança, mas também histórias, transformações e debates. O forró, ritmo que nasceu no nordeste do Brasil, encontrou em Portugal um palco onde se mistura, expande e questiona. Professores como Tiago Braz, Camila Alves e Sheila Santos, além de dançarinos como Bruna Durães, refletem sobre como o forró se tornou um símbolo de resistência cultural e inclusão social.

Com origens marcadas pela simplicidade e pelo calor nordestino, o forró chegou à Europa trazendo mais do que passos coreografados. Bruna Durães, brasileira imigrante na Austrália, que veio a Portugal participar do Baião in Lisboa Festival no ano passado, comenta: “Na Europa, o forró tem um impacto diferente. É fascinante ver europeus aprendendo português para entender as letras das músicas. É uma verdadeira ponte cultural.”

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Bruna Durães, de aluna em Portugal a DJ de forró na Austrália Arquivo pessoal

A prática no continente europeu foi moldada por valores locais. Camila Alves, professora portuguesa, filha de brasileiro com cabo-verdiana e ativista do movimento, destaca as mudanças. “Historicamente, o forró no Brasil tinha um caráter mais machista. Hoje, principalmente na Europa, estamos lutando para transformar isso. Homens dançam com homens, mulheres lideram. É uma dança inclusiva, que reflete um movimento feminista e igualitário”, diz

Educação e inclusão na dança

Tiago Braz, professor no Espaço Baião em Lisboa, utiliza o forró para promover debates sobre gênero e sexualidade. “O forró, assim como outras formas de arte, reflete os valores da sociedade. Por isso, ao mudar os papéis na dança — permitir que homens sejam conduzidos e mulheres conduzam — estamos desconstruindo estereótipos. É uma maneira de questionar o machismo e até a homofobia”, assinala.

Sheila Santos, paranaense, radicada em São Paulo, que viaja pela Europa com turnês de ensino de forró, ressalta a importância de abrir espaços para novos públicos. “Há um esforço para tornar o forró acessível a todas as pessoas: jovens, idosos, pessoas gordas, negras e transexuais. Essa diversidade é um marco que distingue o forró de outras danças de salão”, acredita.

Para isso, a formação de professores tem sido uma prioridade. Sheila oferece workshops e consultorias para capacitar profissionais. “Precisamos garantir que os professores estejam prontos para atender diferentes públicos, motivar alunos e criar um ambiente acolhedor. Essa é a base para que o forró continue crescendo”, afirma.

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A professora Sheila Santos viaja do Brasil para a Europa para ensinar forró Arquivo pessoal

Festivais e comunidades

Portugal é hoje um dos principais centros de forró na Europa, com Lisboa e Porto à frente do movimento. Festas regulares, como o Forró da Liberdade, que ocorre todos os domingos das 16h às 20h, e festivais, como o Baião in Lisboa, que. neste ano, promove a 1ª edição do campeonato europeu de forró, de 8 a 10 de dezembro, atraem dançarinos de todo o continente. Sheila Santos, em sua quarta turnê europeia, comenta sobre a abrangência do forró: “É impressionante ver a presença de forró em lugares como Polônia e Finlândia. A Alemanha, por exemplo, tem inúmeras comunidades. É um movimento realmente global.”

O impacto vai além dos salões de dança. Camila Alves reflete sobre como os alunos carregam lições do forró para suas vidas diárias. “Ao experimentar novos papéis e aprender a escutar o parceiro, os dançarinos começam a desconstruir crenças limitantes. Essas mudanças aparecem no comportamento deles fora da dança também, seja no trabalho, nos relacionamentos ou na forma como veem o mundo”, frisa

Espaço para todas as pessoas

Um dos maiores atrativos do forró europeu é a sua descontração e acessibilidade. Ao contrário de outras danças que seguem códigos rigorosos de vestimenta e etiqueta, o forró abre as portas para todos. “Não importa idade, corpo ou nível de experiência. Você é bem-vindo, seja para aprender os passos básicos ou para explorar técnicas avançadas,” diz Sheila. Essa inclusão é o que atrai pessoas de diferentes origens, como uma aluna havaiana que voa regularmente para Portugal para participar das aulas e festivais.

Com o crescente número de festivais, surge também uma comunidade forte e solidária. Os dançarinos não apenas trocam passos, mas compartilham histórias, hospedam uns aos outros em viagens e criam laços que vão além da pista de dança.

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A professora Camila Alves afirma que, ao experimentar novos papéis e aprender a escutar o parceiro, os dançarinos mudam a forma como veem o mundo Arquivo pessoal

Bruna Durães destaca: “Uma vez que você entra no mundo do forró, ele ocupa sua vida. Os amigos passam a ser do forró, as viagens giram em torno do forró. É como uma grande família. Depois da minha experiência em Portugal, voltei para Brisbane, na Austrália, e me tornei uma DJ de forró, e, claro, continuo dançando, todos dançam em casa, marido e filhos.”

Futuro inclusivo para o forró

Apesar de avanços significativos, desafios ainda persistem. No Brasil, a inclusão avança mais lentamente, devido à extensão territorial e às tradições culturais. Sheila ressalta que o trabalho é contínuo. "Ainda enfrentamos resistências, mas estamos mudando, tanto no Brasil quanto aqui”, assinala.

Tiago reforça que, em Portugal, há uma abertura maior para experimentar novos papéis na dança. "Eu escolhi ser um follower para questionar o papel do homem na dança. Isso inspira outros homens a tentarem algo diferente, a quebrarem preconceitos", enfatiza.

Enquanto isso, Camila celebra o impacto cultural do forró. “É mais do que dança. É uma oportunidade de aprendizado, conexão e inclusão. É nossa maneira de mostrar ao mundo a riqueza da cultura brasileira e como ela pode transformar vidas”, conclui.

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