Tia Amélia: o resgate da compositora de choros que foi apagada da música brasileira

A redescoberta da compositora e pianista pernambucana Amélia Brandão se dá pelo livro Tia Amélia — O Piano e a Vida Incrível da Compositora, de Jeanne de Castro, que está sendo lançado em Portugal.

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A escritora Jeanne de Castro lança, em Portugal, a obra “Tia Amélia — O Piano e a Vida Incrível da Compositora” Arquivo pessoal
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A produtora cultural e jornalista Jeanne de Castro se deu uma missão: reverter o que ela chama de apagamento da história musical brasileira de Amélia Brandão (1897-1983), compositora e pianista pernambucana que se especializou em choro, gênero musical brasileiro que, neste ano, tornou-se Patrimônio Cultural do Brasil.

Foi por meio do pianista Hércules Gomes que Jeanne conheceu a obra de Tia Amélia, que desafiou o patriarcado da época e o etarismo com o objetivo de se tornar referência na música popular brasileira. A qualidade das composições e a interpretação da pernambucana, notadamente pelo seu suingue marcante na mão esquerda, chamaram a atenção de contemporâneos como Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi e Pixinguinha.

Não só: Tia Amélia formou uma geração de compositores, como Egberto Gismonti e Angela Ro Ro. Mas, independentemente de toda essa trajetória, acabou esquecida, processo que Jeanne pretende reverter com o livro Tia Amélia — O Piano e a Vida Incrível da Compositora, que ela está lançando em Portugal.

"Tive o privilégio de dar visibilidade à vida de Tia Amélia, após um apagamento de 40 anos. O meu objetivo é que ela volte para a história da música, de onde nunca deveria ter saído. Ela é da mesma linhagem de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth", afirma a escritora.

Jeanne ressalta que Tia Amélia teve uma vida de sucesso em duas fases da vida. "Como folclorista, viajou pelo Brasil, América Latina e Estados Unidos durante 10 anos (1931-1941). E, nas décadas de 50 e 60, tornou-se uma figura muito respeitada pela crítica e pelo público por conta de seu programa semanal na tevê, no Rio de Janeiro. Ela é uma mulher à frente do nosso tempo", assinala.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que Jeanne de Castro concedeu ao PÚBLICO Brasil. O lançamento da obra dela ocorre hoje em Lisboa, na Livraria Snob, a partir das 17h. A autora vai percorrer outras cidades de Portugal.

Como surgiu a ideia de escrever esse livro?

Quem me trouxe pela primeira vez a obra musical de Tia Amélia foi o pianista Hércules Gomes. A pernambucana Amélia Brandão foi uma artista, pianista e compositora muito importante, mas que foi totalmente apagada da história da música brasileira. A partir do convite de uma sobrinha de Tia Amélia, sistematizamos a pesquisa, primeiramente, pela Hemeroteca digital online, e ficamos entusiasmadas pelas descobertas da trajetória de sua vida. Em 2022, fui selecionada em primeiro lugar no PROAC (Programa de Incentivo à Cultura) Literatura não Ficção, em São Paulo, para escrever a biografia.

O que esse personagem representa para você?

Tia Amélia é um exemplo de talento, coragem e obstinação. Driblou o patriarcado e o etarismo de maneira criativa e inteligente para ser uma compositora de choro. Tive o privilégio de dar visibilidade à vida dela, após um apagamento de 40 anos. O meu objetivo é que ela volte para a história da música, de onde nunca deveria ter saído. Ela é da mesma linhagem de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth. Tia Amélia teve uma vida de sucesso em duas fases da vida. Como folclorista, viajou pelo Brasil, América Latina e Estados Unidos durante dez anos (1931-1941). E, nas décadas de 50 e 60, tornou-se uma figura muito respeitada pela crítica e pelo público por conta de seu programa semanal na tevê, no Rio de Janeiro. Ela é uma mulher à frente do nosso tempo.

Quantos livros já escreveu? Quais?

Tia Amélia — O Piano e a Vida Incrível da Compositora é meu livro de estreia. Sou jornalista de formação, mas trabalho há mais de 20 anos como produtora cultural em São Paulo. Faço muitos projetos de música, gravação de CDs, produção de concertos e shows.

Por que escolheu Portugal para esse lançamento?

Tenho realizado muitas palestras em universidades brasileiras. Era um sonho levar meu livro para fora do Brasil. Para a minha alegria, recebi retorno positivo das universidade de Aveiro, Nova Lisboa e do Faro (Algarve). Houve interesse, também, do Conservatório de Coimbra e da Associação Macaréu, no Porto. Em Lisboa, a Livraria Snob promove o lançamento neste sábado, 30 de novembro, às 17h. Estou muito entusiasmada de estar em Portugal para falar da vida de Tia Amélia, reverter o apagamento e falar de música, que foi a razão de vida da minha biografada, especialmente o choro, que, coincidentemente, foi declarado Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil neste ano.

É difícil viver de literatura no Brasil?

Sobreviver de arte é sempre um desafio. Tem que se conquistar um espaço que nunca é dado. Acredito que seja difícil viver de literatura no mundo todo, exceto para quem consegue fazer um best-seller. No momento, sobrevivo dos meus trabalhos em produção cultural, especialmente, em música.

Como conquistar o leitor num mundo regido pelas redes sociais?

Tenho utilizado as redes sociais a favor da divulgação do livro. Mas a discussão sobre o hábito da leitura propriamente dito é muito antiga. Acho que, desde o boom da televisão, nos anos de 1950, há uma disputa de atenção. Tenho encontrado um segmento interessado em biografia de músicos, no choro, e por causas feministas.

Quais são seus próximos projetos?

Em 2025, o pianista Hércules Gomes e eu faremos recitais comentados sobre Tia Amélia. Essa é a condição ideal: eu contar a história dela, enquanto Hércules mostra a obra da compositora com todo seu suingue e virtuosidade. As composições de Tia Amélia são arrebatadoras e serão interpretadas por esse excelente pianista.

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