Prevista há quase cem anos, a ligação química com um único electrão foi agora provada
Equipa japonesa confirmou uma teoria postulada por Linus Pauling há quase cem anos. Afinal, há ligações químicas compostas por um só electrão, o que abre a porta a uma nova realidade química.
A natureza baseia-se numa complexidade imensa de moléculas que constituem todos os organismos vivos e tudo o que nos rodeia. Tudo é constituído por moléculas, com a excepção de certos gases, que, por serem nobres ou ideais, existem na sua forma atómica, ou seja, são átomos isolados, sem ligações entre os átomos vizinhos. Poder-se-á perguntar porque é que todos os átomos não são como os gases nobres e não existem na sua forma singular sem se ligarem a outros átomos? A forma como os electrões, partículas de carga negativa que “voam” à volta de um núcleo constituído por cargas positivas e neutras, se distribuem, segue regras próprias da natureza. Quando essas regras são cumpridas na sua totalidade, está-se perante um gás nobre; quando tal não acontece, está-se perante um outro elemento qualquer dos 118 elementos que constituem a tabela periódica.
Mas que regras são essas? Uma delas é que os electrões estão distribuídos em níveis de energia, e cada nível tem apenas lugar para um certo número de electrões. O primeiro nível, por exemplo, apenas acomoda dois electrões e o último acomoda no máximo oito electrões (à excepção do hidrogénio e do hélio). Quando este último nível, chamado “nível de valência”, tem oito electrões, o átomo é um gás nobre; se não tiver, então será outro elemento qualquer.
Acontece que todos os elementos ficam mais estáveis, se tiverem os tais oito electrões no seu último nível de energia, e é por isso que a natureza é composta por moléculas – os átomos juntam-se de forma a garantir que cada um tenha oito electrões no seu último nível de energia. Ou, no caso hidrogénio, que é a excepção, que tenha dois electrões no último nível de energia.
Para que o leitor possa melhor entender: pensemos numa molécula de água, que tem um átomo de oxigénio e dois átomos de hidrogénio. O átomo de oxigénio tem seis electrões no seu último nível de energia, e o átomo de hidrogénio tem um electrão no último nível de energia. Uma forma simples de satisfazer esta regra de ter oito ou dois electrões no último nível de energia é a partilha de electrões entre os átomos – assim, cada átomo de hidrogénio partilha o seu único electrão que possui e o átomo de oxigénio partilha dois electrões, um com cada átomo de hidrogénio. O resultado é a partilha de quatro electrões entre os três átomos.
A esta partilha de electrões dá-se o nome de “ligação covalente”. Esta descrição foi proposta em 1919 por Irving Langmuir, cientista americano, tendo por base estudos de Gilbert Lewis de 1916. Há um século foi definida a ligação covalente entre átomos e durante mais de 100 anos não foi mostrado por nenhum cientista a existência de ligações covalentes de forma diferente.
Desafio superado
Takuya Shimajiri e colegas da Universidade de Tóquio (Japão) demonstraram recentemente a existência de uma ligação covalente estável apenas com a partilha de um único electrão. Esta ligação foi conseguida através de um mecanismo de oxidação – a perda de um electrão, deixando a molécula com uma ligação partilhada estável, formada apenas com um electrão, e não dois electrões como é comum nas ligações covalentes.
O estudo que o demonstra foi publicado na revista Nature em Outubro. Desde os anos 30 do século passado que Linus Pauling tinha postulado a possível existência de uma ligação covalente formada apenas por um electrão. Contudo, devido à instabilidade da ligação após a remoção de um electrão (dos dois de uma ligação covalente), isolar moléculas com esta característica nunca tinha sido conseguido, não sendo possível identificar e comprovar a existência de tal ligação. Este grupo de cientistas tentou durante vários anos e agora finalmente conseguiu. Pela primeira vez, foi isolada uma molécula com uma ligação covalente estável de um electrão.
O desafio foi usar uma molécula que, após a remoção de um electrão de uma ligação covalente entre dois átomos de carbono, ficasse estável o suficiente e não se quebrasse. Esta estabilidade permitiu – através de várias técnicas como, por exemplo a difracção de raios-X, técnica que permite descrever como os átomos se organizam num material – identificar a tão ambicionada ligação covalente de um electrão. Com esta descoberta, fica demonstrado o postulado proposto há quase cem anos por Linus Pauling, que ganhou o Prémio Nobel da Química de 1954 pelas suas investigações da natureza da ligação química.
O grupo de investigação ambiciona agora definir e clarificar o que é, afinal, uma ligação covalente proposta inicialmente por Irving Langmuir, ou seja, até que ponto é que é uma ligação covalente e a partir de que ponto é que deixa de o ser. Esta descoberta abre caminhos na química para a criação de novas famílias de moléculas até hoje não existentes, certamente com inúmeras aplicações, como, por exemplo, em fármacos.
Professor de física molecular da Universidade Nova de Lisboa