Mais de 90% das áreas habitadas por baleias sobrepõem-se às rotas marítimas, revela um estudo que mapeia os pontos onde há maior risco de colisão entre cetáceos e navios. O artigo científico, publicado na revista Science, indica que só 7% dessas áreas críticas apresentam medidas para reduzir o risco de estes mamíferos se chocarem contra embarcações.
“A nossa análise mostra que as baleias correm o risco de serem atingidas por navios em todo o oceano, mas sobretudo ao longo de todas as costas e nalgumas áreas em alto-mar. Embora isto possa parecer desolador, há boas notícias: medidas relativamente simples, como a redução da velocidade das embarcações, ou mesmo a alteração da rota dos navios, podem minimizar o risco para as baleias”, afirma ao PÚBLICO a investigadora Anna Nisi, primeira autora do estudo da Science.
Anna Nisi acrescenta que estas medidas de protecção, se adoptadas nos pontos críticos identificados no estudo, podem ainda proporcionar outras vantagens. Além da diminuição do ruído subaquático, a limitação da velocidade dos navios pode contribuir para reduzir a emissão de gases com efeito de estufa e a poluição atmosférica.
O estudo sugere ainda que, para reduzir significativamente as colisões fatais entre baleias e navios, bastaria estabelecer novas zonas de velocidade limitada em 2,6% da superfície do oceano. Estes esforços são fundamentais, argumentam os autores, para proteger estes grandes cetáceos à medida que a circulação marítima se intensifica.
“Muitas vezes as actividades industriais têm de ser muito limitadas para se atingirem os objectivos de conservação, ou vice-versa. Neste caso, há um benefício de conservação potencialmente grande para as baleias por um custo não muito elevado para a indústria naval”, afirma a co-autora Heather Welch, investigadora da Agência dos Estados Unidos para o Oceano e a Atmosfera (NOAA, na sigla em inglês) e da Universidade da Califórnia, citada num comunicado.
Como foi feito o estudo?
Os cientistas cruzaram a informação existente relativa à localização de quatro espécies de baleias com dados sobre a posição geográfica, velocidade e rota de cerca de 176.000 embarcações de grande porte que circularam entre 2017 e 2022. Este conjunto de dados foi recolhido através do Sistema de Identificação Automática (AIS, na sigla em inglês) e processado com a ajuda de um algoritmo desenvolvido pela Global Fishing Watch.
O estudo concentrou-se nas seguintes espécies com distribuição global, para as quais foram encontrados 435 mil registos de observações: baleia-azul (Balaenoptera musculus), baleia-comum (Balaenoptera physalus), baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) e cachalote (Physeter macrocephalus).
“As colisões entre baleias e navios são muito difíceis de observar directamente, e muitas vezes passam despercebidas e não são comunicadas. Por isso, modelar o risco de colisão na forma que fazemos no nosso estudo constitui uma ferramenta útil para identificar as áreas que são provavelmente as mais problemáticas”, refere Anna Nisi, numa resposta por escrito.
A maioria dos pontos críticos identificados situa-se ao longo de costas de vários continentes, ou seja, dentro da zona económica exclusiva de diferentes países. Anna Nisi vê este facto como uma oportunidade, uma vez está ao alcance de cada nação adoptar medidas de protecção em articulação com a Organização Marítima Internacional, a agência das Nações Unidas dedicada à regulamentação do transporte oceânico.
As colisões com navios são a principal causa de morte de baleias de grande porte em todo o mundo. Estes acidentes têm fragilizado os esforços de conservação de várias populações, incluindo de espécies que, apesar da limitação à caça comercial, continuam criticamente ameaçadas. Milhares destes cetáceos são feridos ou mortos todos os anos após serem abalroados por embarcações, sobretudo porta-contentores que transportam 80% das mercadorias comercializadas no planeta.
“Muitos estudos quantificaram anteriormente o risco de colisão entre baleias e navios a nível local ou regional, o que é um trabalho muito importante e que conduziu a uma melhor conservação e gestão nessas áreas. Mas havia grandes áreas em que os padrões de risco de colisão não estavam descritos. O nosso trabalho tem como objectivo colmatar essa lacuna de conhecimento e identificar padrões de risco de colisão em todo o oceano”, conclui Anna Nisi.