Parlamento britânico abre caminho para a legalização da morte medicamente assistida

Proposta de lei histórica de deputada trabalhista foi aprovada na generalidade. Autoriza adultos com doenças terminais e menos de seis meses de vida a recorrer a ajuda médica para terminar com ela.

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Apoiantes da aprovação da lei da morte assistida reunidos em frente ao Parlamento, em Londres NEIL HALL / EPA
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A maioria dos deputados da Câmara dos Comuns do Reino Unido aprovou esta sexta-feira uma proposta de lei histórica, na generalidade, que abre caminho para a legalização da morte medicamente assistida em Inglaterra e no País de Gales. A legislação apresentada pela deputada do Partido Trabalhista Kim Leadbeater é a primeira do género desde que a câmara baixa do Parlamento britânico chumbou outra sobre o mesmo assunto, em 2015.

Ao fim de semanas intensas de debate público e de discussões acesas dentro do Governo de Keir Starmer e dos partidos, e de mais de 150 deputados se terem inscrito no debate desta sexta-feira na Câmara dos Comuns, a proposta foi aprovada com 330 votos e 275 votos contra.

O primeiro-ministro, Keir Starmer, votou a favor, assim como o seu antecessor, o conservador Rishi Sunak.

"Penso que, sempre que possível, devemos evitar o sofrimento. Sei, por ter falado e ouvido muitos de vós, que há demasiadas pessoas que têm de passar por mortes dolorosas, traumáticas e prolongadas. Estas histórias comoventes e profundamente pessoais deixaram-me profundamente impressionado. Este projecto de lei tornará menos frequentes estas provações, que são tão traumáticas para os doentes e as suas famílias", escreveu Sunak num artigo publicado no jornal Darlington and Stockton Times logo a seguir à votação.

Dezenas de manifestantes contra e a favor da legalização da morte assistida juntaram-se esta sexta-feira em frente aos edifícios do Parlamento britânico, em Londres.

Denominada Terminally Ill Adults (End of Life) Bill (Proposta de lei sobre Adultos com Doenças Terminais (Fim da Vida)), a legislação tem como objectivo permitir que os adultos que sofram de doenças terminais e que tenham menos de seis meses de vida possam recorrer à morte medicamente assistida.

Os doentes em causa terão de demonstrar capacidades mentais para fazer essa escolha e para expressar a sua vontade em pôr termo à vida, de forma “clara, estabelecida e informada”, voluntariamente e “livre de coerção ou pressão” de terceiros.

Ao longo do processo e para que este chegue ao fim, é necessária a autorização de dois médicos de um juiz do Tribunal Superior.

Leadbeater citou uma série de sondagens que mostram que a maioria dos britânicos apoia a morte medicamente assistida e diz que a legislação sobre o tema deve acompanhar essa tendência. Para além disso, a deputada trabalhista garante que a sua proposta inclui “as salvaguardas mais rigorosas vistas em todo o mundo”.

Pela natureza do tema, muito dependente das convicções de ordem pessoal ou religiosa dos deputados, os partidos não impuseram disciplina de voto aos respectivos membros. A proposta de lei de Leadbeater criou divisões dentro do próprio Governo trabalhista, que tem uma maioria confortável na Câmara dos Comuns, pelo que era difícil antecipar qual iria ser o resultado da votação desta sexta-feira.

Ainda que por motivos diferentes, o facto de o ministro da Saúde, Wes Streeting, e da ministra da Justiça, Shabana Mahmood, responsáveis por duas pastas fundamentais na implementação da lei, terem anunciado a sua oposição à proposta, foi suficiente para ninguém apontar um desfecho com grandes certezas.

Kemi Badenoch, líder do Partido Conservador, também avisou de antemão que ia votar contra a legislação.

Antes de regressar ao plenário da Câmara dos Comuns, agendado para o próximo ano, para a aprovação final, a proposta de Leadbeater vai percorrer os passos legislativos normais, quer especialidade, quer na Câmara dos Lordes. Depois de ratificada pelo rei Carlos III, abre-se um período de dois anos para ser implementada.

“Será um processo muito minucioso”, disse Kim Leadbeater à BBC, acrescentando que o processo poderá demorar mais seis meses e que estava disponível para discutir novas alterações de modo responder às preocupações das pessoas.

“Há muito tempo para fazer isto correctamente”, afirmou a deputada trabalhista, após mais de quatro horas de debate, muitas vezes emotivo, no hemiciclo.

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