Plano de combate a tráfico de pessoas quer vítimas com acesso prioritário a habitação social
Plano está em discussão pública para colher contributos da sociedade civil. Dezenas de medidas dão continuidade a documentos anteriores. Em Portugal, vítimas são sobretudo para exploração laboral.
Apresentar ofertas de emprego a vítimas de tráfico de seres humanos, aplicar medidas de discriminação positiva no acesso a formação profissional e no acesso a apoios de contratação e propor o acesso prioritário à habitação social para vítimas deste crime ou reforçar o financiamento para aumentar o número de vagas nos centros de acolhimento e protecção de vítimas são algumas das muitas dezenas de medidas da versão provisória do V Plano de Acção para a Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos 2025-2027.
O plano está em discussão pública desde dia 22 de Novembro e até 4 de Dezembro, para incorporar os contributos da sociedade civil – até terça-feira não tinha havido nenhum. A grande maioria das medidas, tais como as que referimos, não são novidade, seguem continuidade de anteriores planos.
Entre 2007 e 2021, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) coordenou a aplicação de quatro planos nacionais de prevenção e combate ao tráfico de seres humanos, mas houve uma interrupção, que agora a ministra da Juventude e Modernização retoma, afirma-se no portal. No caso de haver contributos que gerem alterações significativas, terá que ir novamente a Resolução de Conselho de Ministros. Caso contrário, é aprovado automaticamente e devidamente publicado.
Do documento constam ainda outras medidas que visam facilitar a integração das vítimas, tais como a atribuição de vários documentos essenciais para isso: a autorização de residência logo depois de ter sido atribuído estatuto de vítima, o número de utente de saúde na hora às vítimas, “mesmo que indocumentadas”, a simplificação dos procedimentos de atribuição de número de identificação fiscal e do número de segurança social.
Entre os objectivos do plano estão consolidar e reforçar o conhecimento, informar e sensibilizar sobre a temática do tráfico de seres humanos; assegurar às vítimas de tráfico um melhor acesso aos seus direitos, bem como consolidar, reforçar e qualificar a intervenção.
Um quarto das vítimas são crianças
De acordo com dados da União Europeia citados no documento, o tráfico para exploração sexual representa mais de metade de todas as vítimas, afectando sobretudo mulheres e raparigas. Mas, de acordo com os dados do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, a tendência em Portugal é diferente: as vítimas detectadas são essencialmente para a exploração laboral nos sectores da silvicultura, pesca marítima, “mas, principalmente, na agricultura e no futebol”.
Em 2023, as autoridades policiais registaram 92 crimes de tráfico de pessoas e 650 sinalizações, representando um acréscimo de 72% face a 2022. Destas sinalizações, 57 eram crianças, a maioria de países exteriores à UE (sobretudo América Central e América do Sul).
Dados dos 27 países da União Europeia apontam para que as crianças representem 22% de todas as vítimas, acrescentam ainda. O plano prevê para os próximos três anos, relativamente a crianças, 12 acções de formação e sensibilização promovidas pela Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) junto de profissionais que integram as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) e seis acções de formação sobre o sistema de referenciação de crianças (presumíveis) vítimas de tráfico de seres humanos, com 120 participantes.
O documento pede mais fiscalização no trabalho e o desenvolvimento de parcerias entre o sector público e privado em áreas de alto risco, para garantir uma acção mais eficaz nas chamadas cadeias de produção. Está prevista a criação de um manual de boas práticas para actividades relacionadas com os sectores da construção civil, pesca, agrícola e hotelaria e restauração, identificadas como mais vulneráveis a contextos de tráfico para fins de exploração laboral
Salientando que a resposta dos operadores judiciais “tem sido uma das áreas que mais vulnerabilidades têm revelado, ao longo dos anos, na União Europeia” – os números de condenações permanecem relativamente baixos, refere-se – o plano alerta para a necessidade de “uma aposta cada vez mais robusta na formação e especialização dos operadores judiciais nas áreas das magistraturas e o reforço dos meios técnicos de investigação”.
Assim, prevê-se o “reforço da investigação criminal, do controlo de fronteiras e da cooperação transfronteiriça e internacional na vertente policial” com formação para equipas especializadas do controlo de fronteiras para a intervenção integrada sobre TSH – prevê-se afectar cinco agentes da PSP e cinco militares da GNR com esta especialização nos próximos três anos – e a criação de equipas multiforças com elementos da PJ, PSP, GNR, Polícia Militar, Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Autoridade Tributária (AT) e Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), articuladas pelo Sistema de Segurança Interna (SSI), algo já anunciado pelo Governo.