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Quem foram as namoradas do pai? Caroline descobriu-as numa caixa de slides antigos
O livro The Mothers I Might Have Had, da artista Caroline Furneaux, coloca uma questão universal: saberemos tudo sobre o passado dos nossos pais?
No ano de 2011, o pai da fotógrafa e escritora Caroline Furneaux faleceu subitamente. Na sequência desse trágico acontecimento, a artista descobriu, entre os pertences do pai, uma caixa que parecia conter um conjunto de segredos acerca do seu passado. Tratava-se de uma box de slides de 35mm, fotografados pelo próprio Colin na década de 1960, que continha uma série de retratos de mulheres bonitas em lugares idílicos da Suécia. Bibi, Isabelle, Charlotte, Judy, Patricia, Harriet, Pia, Rosa, Maja, Britt, Julie, Marianne, Ebba, Liv... Todas eram desconhecidas de Caroline, excepto Barbro, a mulher que se tornaria a sua mãe, cujo retrato estava entre os demais.
The Mothers I Might Have Had – “As Mães que Poderia Ter Tido”, em tradução livre – é o primeiro livro de Caroline Furneaux e reúne os retratos destas misteriosas e belas mulheres. Quem seriam? Que tipo de relação manteriam com o seu pai? Quem foi Colin antes de conhecer Barbro, a mulher que se tornaria a sua esposa? Que homem foi aquele que existiu antes de Caroline nascer? São questões universais. Saberemos tudo sobre o passado dos nossos pais e mães?
Impunha-se, para a artista, a apropriação das imagens que compõem o arquivo fotográfico do pai. Caroline recortou, reenquadrou, como que guiando a atenção do leitor para os detalhes, misturando-os com as suas observações, que surgem em forma de texto, escrito em verso, junto das imagens.
Em grande plano, o leitor é confrontado com o olhar irritado de Pia, sente o olhar dirigido para a mão que ajusta, languidamente, o biquíni de Rosa, para as jóias que adornam as mãos de Marianne, debruçada sobre o capot de um carro, ou para a capa do disco da Sinfonia nº2 do compositor finlandês Jean Sibelius, que Colin, depois de casar-se, “gostava de ouvir sozinho”, quando a família “desaparecia para a Suécia nas férias grandes”. O leitor percebe que aquele disco já existia antes de Caroline e que os momentos solitários que Colin passava a escutar aquele disco poderiam ser de imersão no passado, nas suas memórias.
“Escrutino este homem jovem que é um estranho para mim”, lê-se junto de um dos dois retratos de Colin que constam no livro, quase já no final. “Ele parece alto e esguio, com uma franja de cabelo puxada | para um só lado sobre a testa. | (O estilo que ele manteria para o resto da vida.) | Ele parece tão confiante diante da câmara quanto | ele é por detrás dela.” Teria na imagem, segundo a autora, 28 anos, “quase 29”. “Três anos antes de conhecer a sua futura esposa”, a sua mãe, identifica. Após a morte do pai, a relação que existia entre pai e filha continuou, surpreendentemente, a amadurecer, a moldar-se face às revelações post mortem.
Conhecemos Barbro nas últimas páginas. Surge, em biquíni, jovem, bela, feliz. O leitor sente que, por fim, se cumpriu o destino de Colin, após aquele longo caminho marcado por rostos, corpos, verões, histórias, peripécias. “Quando vi este slide [da minha mãe] assumi | que tinha sido tirado depois de casarem”, escreve Caroline. “Mas quando lhe perguntei, ela disse-me | que foi tirada antes do casamento.” Aliás, Barbro lembrava-se que, no dia seguinte, teria pedido Colin em casamento.
O livro, que assume por vezes um tom melancólico (mas nunca desinteressante), termina com um toque de humor, de ironia, que lembra que, apesar da morte, da dúvida que pode subsistir, a vida continua. A artista perguntou à mãe como é que as fotografias do arquivo do pai a faziam sentir: “Devias ter visto os namorados que eu tive”, respondeu.