Parlamento chumba grupo de trabalho para estudar imposto sobre grandes fortunas
Livre queria que o Governo estudasse assunto que está na ordem do dia no G20. PSD, CDS-PP, Iniciativa Liberal e Chega rejeitaram a proposta.
Num momento em que a União Europeia (UE) se prepara para discutir como tributar os super-ricos nos fóruns fiscais internacionais, o Parlamento português chumbou uma proposta do partido Livre para lançar um grupo de trabalho destinado a estudar o assunto a nível nacional.
O Livre pretendia que, nos primeiros seis meses de 2025, o Governo de Luís Montenegro (PSD e CDS-PP) constituísse um núcleo de peritos que ficaria incumbido de estudar e propor à Assembleia da República, até final do ano, “a criação de um imposto sobre grandes fortunas”.
A intenção fazia parte de uma proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2025, mas foi rejeitada nesta quinta-feira durante a votação na especialidade. A iniciativa recebeu os votos contra do PSD, do CDS-PP, da Iniciativa Liberal e do Chega, só contando com os votos favoráveis do próprio Livre, do Bloco de Esquerda e do PAN. O PS e o PCP abstiveram-se.
O trabalho permitiria aos deputados ficar com uma base de conhecimento especializado sobre um tema que está na agenda internacional e que deverá fazer parte das discussões fiscais no espaço europeu nos próximos anos. A bancada do Livre pretendia que o grupo de trabalho analisasse “as soluções adoptadas noutros países da Europa comunitária” e acompanhasse a discussão sobre o tema “nas instâncias e fóruns internacionais, estabelecendo os diálogos necessários à prossecução do seu trabalho.”
Ao estudar a criação do novo tributo, os peritos deveriam ter em consideração cinco aspectos: “a base de tributação, tendo em conta a natureza dos sujeitos passivos e a origem do património, seja ele mobiliário ou imobiliário, fungível ou infungível; a percentagem de imposto a aplicar; a progressividade do imposto; o método declarativo; os mecanismos de acompanhamento e controle da informação financeira e da aplicação do imposto.”
A proposta surgiu pouco antes de o G20 abrir a porta a discutir o assunto no Quadro Inclusivo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)/G20 sobre a erosão da base tributável e a transferência de lucros (BEPS), o mesmo fórum onde foi pensado — e depois consensualizado — o IRC mínimo de 15% sobre os lucros das grandes empresas multinacionais.
O grupo que junta os líderes das maiores economias industrializadas no mundo, onde também está representada a União Europeia, concorda que é preciso garantir que os “indivíduos com um património líquido ultra-elevado” são “efectivamente tributados” e mostra-se pronto para discutir um modelo de tributação com esse fim, desde que fique salvaguardada a “soberania tributária” de cada país a nível mundial.
A UE fará parte das discussões não só institucionalmente por pertencer ao G20, mas também pela via da normal cooperação que está a existir entre a Comissão Europeia e o Quadro Inclusivo da OCDE/G20, através do estudo de soluções comuns que garantam uma tributação justa entre indivíduos.
Na sua proposta, o Livre lembra que há países que “estão na linha da frente, na medida em que têm” nos seus ordenamentos jurídicos um imposto como o que o partido preconiza. “É o caso, por exemplo, da Noruega, da Suíça e da vizinha Espanha”, lembra, dizendo que um tributo deste tipo é “uma oportunidade para garantir mais justiça social e fiscal para todos.”
Meses antes da reunião de líderes do G20, o Brasil, por assumir a presidência rotativa do grupo, publicou um estudo encomendado ao economista Gabriel Zucman, director do Observatório Fiscal da União Europeia, que defendia ser “tecnicamente possível aplicar um imposto mínimo coordenado sobre as pessoas singulares com um património líquido muito elevado”, semelhante ao mecanismo do IRC mínimo global das multinacionais.
O objectivo seria obrigar os cidadãos com maior capacidade contributiva (com um património acima de um determinado montante) a pagar “anualmente um montante mínimo de imposto equivalente a 2% do seu património”. Como exemplo, Zucman sugeria abranger os cidadãos com um património acima dos mil milhões de dólares, considerando a soma de rendimentos, activos, imóveis, acções, participações em empresas e outros activos financeiros.
O Livre alerta que “a assimetria entre muito ricos e muito pobres é abissal”. Citando dados da organização não-governamental Oxfam International, nota que “desde 2020 as cinco maiores fortunas do mundo dobraram, sendo que quase 5000 milhões de pessoas caíram em situação de pobreza, o que equivale a um aumento de 60% da pobreza global.” E lembra que na COP29 que decorreu este mês no Azerbaijão, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, referiu “impressivamente” que os multimilionários mais ricos no mundo emitem mais carbono numa hora e meia do que uma pessoa média numa vida inteira.
A definição de um patamar mínimo iria abranger os cidadãos mais ricos a nível global: para se ter uma ideia, a pessoa mais rica no mundo, o norte-americano Elon Musk (da Tesla e SpaceX), tem um património líquido de 313,9 mil milhões de dólares.