Futuros médicos fizeram a Prova de Acesso, mas “esta não é uma das coisas mais importantes” das suas vidas

Prova que determina o acesso à especialidade realizou-se esta quarta-feira em cinco cidades. Mas nem todos sofrem com isso: “Vou ser médica, vou dar o meu melhor seja qual for a especialidade.”

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Centenas de pais e familiares estavam à espera que os filhos saiam da tão temida Prova Nacional de Acesso (PNA) ADRIANO MIRANDA
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O silêncio do recinto do Europarque, em Santa Maria da Feira, não condiz com o número de pessoas que lá estão: são centenas os pais e familiares à espera que os filhos saiam da tão temida Prova Nacional de Acesso (PNA), mas não se ouve um pio.

A PNA é a prova que decide o futuro dos estudantes de Medicina e veio, em 2019, substituir o “Harrison”, que já se realizava há quatro décadas, mas que era mais virado para a memorização e menos para o raciocínio. Aconteceu esta quarta-feira, 27 de Novembro, em mais quatro cidades do país: Coimbra, Lisboa, Ponta Delgada e Funchal. Em Santa Maria da Feira, começou com oito minutos de atraso e, por isso, às 12h30, hora marcada para o final da primeira parte, ainda não havia sinal dos estudantes. Só acompanhantes que à espera com café e pais ansiosos.

Às 13h05, abrem-se as portas. Os futuros médicos vão saindo, sozinhos ou a conversar com colegas, todos com o enunciado da prova nas mãos. Abraçam-se aos familiares, respiram fundo – enquanto podem, porque às 15h30 têm de voltar para a segunda parte da prova, que no total reúne 150 itens de escolha múltipla, viradas para o raciocínio clínico.

Agostinho Alves e Catarina Couto saem de sorriso na cara, mas admitem que não sabem bem como correu. Estão a estudar há mais de um ano para esta prova. “Temos sempre responsabilidades no sexto ano e, depois de apresentarmos a tese, há tempo para estudar mais intensivamente. Mas na última semana abrandei o ritmo, não queria chegar aqui cansado”, conta o jovem de 25 anos. Já a estudante do ICBAS, que gostava de escolher “as cirúrgicas” como especialidade, optou por não estudar de todo nos últimos três dias e cingiu a última semana apenas a revisões.

Familiares esperavam os candidatos no Europarque ADRIANO MIRANDA
Familiares esperavam os candidatos no Europarque ADRIANO MIRANDA
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Familiares esperavam os candidatos no Europarque ADRIANO MIRANDA

É uma forma de organização recorrente entre os alunos. João Monteiro começou a estudar em Outubro de 2023, como a maioria das pessoas que conhece. Conciliava o estágio com o estudo, que foi feito com a ajuda de um curso de preparação que lhe custou à volta de 800 euros – também prática habitual entre os alunos de Medicina, que geralmente compram cursos ou bancos de perguntas.

"A melhor nota possível"

Dois dias antes da prova, quando falou com o P3, dizia estar tranquilo e antecipava não precisar de estudar na véspera. As 12 horas de estudo diárias davam-lhe confiança e, sobretudo, dizia estar tranquilo porque vai fazer a PNA “sem pressão”: “Não tenho bem uma especialidade definida. Só sei que não quero uma cirúrgica. Sei que há pessoas que têm uma especialidade fixa na cabeça, que esse é o sonho profissional delas e isso é um factor de stress adicional”, refere o estudante do ICBAS.

A PNA vale 80% da nota final e classifica por ordem decrescente os examinados, em conjunto com a avaliação do expediente académico (20%). Os examinados que conseguem a nota mais alta podem escolher a especialidade e o hospital onde querem realizar a residência, que pode durar entre quatro a seis anos, dependendo da especialidade.

Sem grandes metas em mente, João Monteiro afirma: “O meu lema é estudar para tirar a melhor nota possível, mas o facto de saber que não quero uma especialidade como dermatologia ou oftalmologia, as ‘de topo’, a pressão acaba por ser reduzida”, continua. Consoante a nota do exame, vai “ver as opções” que pode seguir.

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Inês Santos realizou a PNA pela segunda vez ADRIANO MIRANDA

Diferente de Inês Santos, estudante da UBI, que está a fazer a repetir a prova, para cumprir “o sonho”: otorrinolaringologia. À saída da primeira parte, só quer que chegue a hora da segunda, para “estar livre”. Com os pais à espera para almoçar, conta que começou a estudar em Janeiro, mas que nos últimos dois meses parou de trabalhar para fazer outro tipo de trabalho: “Fazia as oito horas de estudo.”

Pela segunda vez a responder ao exame, está mais relaxada. “Não atribuo tanto peso como da primeira vez.” Para o fazer, Inês não mudou nada no seu dia-a-dia, como tantos colegas fazem. “Já tomo medicação para ansiedade generalizada e o que fiz foi tomar um Valdispert. De tarde vou tentar fazer as coisas um bocadinho mais rápido para ver se tenho tempo para rever, mas sei que aqui é praticamente impossível.”

Já João testou, ao longo do estudo, o uso de calmantes para “digerir os nervos” e sentiu que eram uma boa ajuda para “fazer a prova de forma mais tranquila e ajudar a terminar a tempo”. E era essa a estratégia que planeava seguir esta quarta-feira, além da atenção ao consumo de água – já que se os candidatos precisarem de ir à casa de banho o tempo não pára.

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Catarina Couto gostava de seguir alguma especialidade cirúrgica ADRIANO MIRANDA

A PNA conta com, geralmente, entre 2500 a 3000 alunos, de acordo com números da Academia PNA, um dos centros de preparação para esta prova. O P3 tentou saber quantas pessoas fizeram a prova esta quarta-feira, mas até à data de publicação deste texto não teve respostas.

De modo geral, as especialidades mais requisitadas são Cardiologia, Dermatologia e Cirurgia Plástica. Mas Inês relativiza: “Se pensar nas cinco coisas mais importantes da minha vida, esta não é uma delas. Vou ser médica, vou dar o meu melhor seja qual for a especialidade.”

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