A nova (velha) Alemanha: o preço de discordar

Na Alemanha, a cidadania já não é apenas um acto de integração, mas uma exigência de fidelidade forçada a Israel, com sérias implicações para a liberdade de expressão e a democracia.

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Imagina um teste de cidadania. Perguntas sobre a língua, a história e o sistema legal do país são comuns. Mas e se o exame incluir questões como estas?

Como se chama um centro de culto judaico?

O que é um exemplo de comportamento anti-semita?

Em que ano foi fundado o estado de Israel?

Quem pode se juntar ao um clube desportivo judaico Maccabi?

Quais declarações sobre Israel são proibidas?

Seria compreensível pensar que este teste pertence a Israel. Contudo, este é o novo teste de cidadania da Alemanha. E não pára por aqui. Agora, requerentes da cidadania alemã precisam declarar que reconhecem "o direito de Israel existir e condena quaisquer esforços dirigidos contra a existência do Estado de Israel". Quem recusar terá a cidadania negada.

Na Alemanha actual, a cidadania não é apenas um ato de integração, mas também uma declaração de lealdade com os interesses de um terceiro estado — um precedente alarmante.

O processo que levou a esta resolução é controverso. Ao contrário do habitual, foi negociado em segredo, sem a participação da sociedade civil. Embora tecnicamente não vinculativa, a medida já afecta como a cidadania é concedida, levantando questões sobre liberdade de expressão e pluralismo. Como chegamos ao ponto em que a naturalização exige fidelidade política a outro Estado? Para entender melhor, é crucial analisar o contexto político e histórico recente que fez nascer esta exigência extraordinária.

O ataque do Hamas em 7 de Outubro de 2023, seguido por uma ofensiva militar israelita contra Gaza, marcou um novo capítulo violento na ocupação da Palestina. Num ano mataram-se mais de 45 mil palestinianos. Organizações como o Tribunal Penal Internacional classificam as acções como crimes de guerra e genocídio contra o povo palestiniano. Enquanto muitos governos europeus mantém um apoio incondicional a Israel, cresce uma onda global de solidariedade com a Palestina, reflectindo uma desconexão crescente entre os líderes políticos e as suas populações.

Esta discrepância tem alimentado uma repressão e censura crescente: protestos são proibidos, e símbolos como a bandeira palestina e frases como "Do rio ao mar, a Palestina será livre" são criminalizados.

Na Alemanha, partidos de extrema-direita como a AfD aproveitam para fomentar narrativas xenófobas, responsabilizando imigrantes por um "anti-semitismo importado". A ironia é dolorosa: o anti-semitismo, historicamente enraizado na Europa, agora é tratado como um problema externo. Mas o insólito não termina aqui. Além da cidadania, o apoio público a instituições culturais e académicas também está condicionado. Organizações que critiquem Israel, mesmo que apenas defendam o fim da guerra, podem perder financiamento. Declarações de solidariedade com a autodeterminação palestiniana são consideradas anti-semitas, forçando organizações ao silêncio por medo de represálias financeiras.

Ironicamente, a medida silencia até judeus. Um grupo de artistas e académicos judeus residentes na Alemanha denunciou esta política como um ataque à pluralidade de opiniões dentro da comunidade judaica.

O caso do documentário No Other Land exemplifica essa censura. Co-dirigido por israelitas e palestinianos, o filme venceu o prémio de Melhor Documentário na Berlinale de 2024. No discurso de aceitação, o cineasta israelita Yuval Abraham denunciou a realidade de apartheid na Palestina. No dia seguinte, o presidente da Câmara de Berlim classificou as suas palavras como "anti-semitas". Abraham respondeu acusando as autoridades alemãs de banalizarem o termo "anti-semitismo", o que desvaloriza a sua gravidade e põe vidas judaicas em risco. Estas medidas não combatem o anti-semitismo; apenas protegem um governo específico, silenciando todos as críticas.

"A liberdade é o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir", escreveu Orwell, cuja obra outrora ficção se torna numa realidade cada vez mais familiar. O silêncio imposto não é apenas uma falha da democracia; é o terreno fértil onde as distopias ganham raízes. Na Alemanha de hoje, discordar já tem um preço.

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