Primeira bebé-proveta do mundo aplaude filme sobre a aventura que a fez nascer

A britânica Louise Brown foi o primeiro bebé que nasceu graças às técnicas de fertilização in vitro, em 1978. Em Portugal, foi em 1986.

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Ovócito fertilizado Alan Handyside/Wellcome
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Os primeiros e fracturantes passos da fertilização in vitro e o contributo decisivo de uma embriologista menos conhecida são contados no filme Joy, que surpreendeu até a primeira criança nascida desta técnica, como reconheceu a própria à agência Lusa.

“Até eu aprendi coisas sobre os acontecimentos que levaram ao meu nascimento em 1978”, afirmou Louise Brown, que tem acompanhado com especial entusiasmo o filme que a plataforma Netflix lançou na passada sexta-feira e que foi o mais visto no Reino Unido no fim-de-semana seguinte.

O filme conta a história da equipa pioneira na fertilização in vitro (FIV), composta pelo cientista Robert Edwards, o cirurgião Patrick Steptoe e a enfermeira e embriologista Jean Purdy, e a forma como se uniram na determinação de fazer bebés em laboratório para contornar a infertilidade, uma doença até então incontornável em certos casos.

O filme revela ainda o salto no escuro que dezenas de mulheres deram com o propósito único de serem mães, sujeitando-se a tratamentos até então desconhecidos e com margens de sucesso muito baixas, além de complicações frequentes, como as gravidezes ectópicas.

Apesar de menos conhecida do que os outros dois membros da equipa, e durante anos ignorada por uma parte da comunidade científica, Jean Purdy representou a união entre a ciência e o sentimento vivido pelo “clube do óvulo”, como se autoproclamaram as candidatas a mães.

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A primeira bebé-proveta, Louise Brown, e o primeiro bebé-proveta masculino, Alistair MacDonald, nas comemorações, em 2003 em Bristol, dos 25 anos dos tratamentos de fertilização in vitro LEE BESFORD/Reuters

Louise Brown não se recorda de Jean Purdy, que morreu de cancro aos 39 anos, mas tem dela outras memórias: Ela enviou algumas cartas maravilhosas à minha mãe no Natal e disse coisas adoráveis sobre a minha mãe e a sua determinação para que a FIV fosse um sucesso.”

Em entrevista por escrito à Lusa, Louise Brown disse ainda que “Bob Edwards e Patrick Steptoe sempre quiseram que Jean Purdy fosse reconhecida como parte da equipa pioneira. “Ela observou num microscópio a divisão das células que se transformaram em mim, enquanto Patrick Steptoe estava na festa de aniversário da sua mulher, e alertou-os quando o embrião estava pronto para ser transferido.”

E acrescentou: “Eu participei na campanha para que ela fosse reconhecida e foi com orgulho que inaugurei um novo memorial na sua campa, descrevendo o seu papel como a primeira embriologista clínica do mundo. Espero que o filme ajude mais pessoas a reconhecerem o seu papel.”

Prémio Nobel em 2010

Prova da relutância da comunidade científica em aceitar o papel de Jean Purdy foi o facto de, durante anos, a placa no Hospital Kershaw’​s Cottage (em Bristol, no Reino Unido) alusiva à técnica pioneira apenas conter os nomes de Robert Edwards e Patrick Steptoe, apesar da insistência do primeiro, documentada em cartas que foram objecto de uma exposição na Universidade Cambridge.

Apenas em 2015, cinco anos após Robert Edwards ter recebido o Prémio Nobel da Medicina pelo feito, a Real Sociedade Britânica de Biologia substituiu a placa por uma outra em que já constam os três nomes.

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Robert Edwards nas comemorações, em 2003, em Bristol, dos 25 anos dos tratamentos de fertilização in vitro Reuters

Jean Purdy foi, inclusivamente, a que mais consequências negativas teve por participar neste projecto, incluindo da parte da comunidade onde vivia e da própria mãe, que a certa altura lhe deu a escolher entre a investigação e a família.

Louise Brown está satisfeita com o filme e com a forma como o mesmo está a ser recebido. “Claro que estou tão perto da história que é difícil para mim julgar. Os actores fizeram um excelente trabalho ao representar os três pioneiros e tive o prazer de os conhecer e passar algum tempo com eles”, contou.

E deixa uma sugestão: “Nunca devemos esquecer as muitas mulheres corajosas que fizeram parte do desenvolvimento da FIV. A maioria não teve um bebé, algumas tiveram o trauma de uma gravidez ectópica.” Para Louise Brown, cada uma destas mulheres “contribuiu para que a FIV se tornasse realidade e para que a esperança e a alegria que hoje proporciona criassem famílias em todo o mundo”.

Os pais de Louise –​ Leslie e John Brown – tentaram durante nove anos engravidar, sem sucesso. Coube à equipa Steptoe, Edwards e Purdy proporcionar-lhes um filho através da FIV, um método que começaram a desenvolver na década anterior e que consiste na junção, em laboratório, dos óvulos com os espermatozóides, com posterior transferência dos embriões para o útero.

Desde o nascimento de Louise Brown, nasceram milhões de crianças através desta e outras técnicas de procriação medicamente assistida (PMA). Em Portugal, o primeiro nascimento ocorreu em 1986.