“A natureza da delinquência juvenil mudou”

Maria João Leote de Carvalho, investigadora da Universidade Nova de Lisboa, elenca maiores desafios na área da delinquência juvenil que a nova DGRSP enfrenta

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Centro Educativo Navarro Paiva Paulo Pimenta
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A delinquência juvenil está a aumentar em volume e em complexidade. E é “dramática” a escassez de recursos humanos, especialmente de técnicos superiores e técnicos profissionais de reinserção social, alerta Maria João Leote de Carvalho, especialista em direitos da criança, delinquência, violência e crime.

Pondo-se no lugar dos novos responsáveis pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), e atendendo ao que tem estudado, vê imensos desafios na área da justiça juvenil. “Uma parte são problemas de fundo que se arrastam há mais de década e meia.”

Julga que tudo "começa pelo erro que foi a integração da justiça juvenil numa entidade como a DGRSP". Isso "levou à subalternização da sua identidade e intervenção, cuja natureza é claramente diferenciada da acção dos serviços prisionais". "Por ser uma área estatisticamente muito menos expressiva em comparação com a justiça penal, esta menorização sai reforçada, independentemente da vontade das pessoas que dirigem a DGRSP."

É uma realidade específica, aquela. “A natureza da delinquência juvenil mudou significativamente nos últimos anos”, enfatiza. “Muitos dos modelos de actuação são transnacionais e facilmente as conexões e replicação de actos violentos se sucedem, como o uso de armas.” Ao mesmo tempo, emergem novas práticas “em ambientes digitais, como a partilha de vídeos, fotos e outros conteúdos sem consentimento”. E tudo isto “traz a necessidade de se repensar os modelos e instrumentos de intervenção”.

Já antes da pandemia de covid-19, as forças de segurança enfrentavam um número crescente de ocorrências de delinquência juvenil (12-16 anos). “Essa tendência veio a confirmar-se nos últimos anos, estendendo-se ao grupo dos jovens adultos abrangidos pela justiça penal.”

O aumento de ocorrências e a intensificação do grau de violência até lhe faz lembrar o que se passou entre 1995 e 2000 e que levou a uma reforma na justiça juvenil. Foi quando o sistema de protecção de crianças e jovens em perigo e o sistema de justiça juvenil se dividiram.

Hoje, observa “maior envolvimento dos mais novos e pela diversificação dos grupos, que se identificam como gangues e cujas rivalidades estão na origem de actos de grande violência”. E “jovens que reportam o apoio de grupos que designam por ‘firmas’”.

“A justiça juvenil continua a intervir em larga medida junto de jovens cujas trajectórias estão marcadas por outros graves problemas sociais e parte significativa tem ou teve associado intervenção do sistema de promoção e protecção”, ressalta. “A necessidade de uma efectiva interactividade entre os dois sistemas é uma prioridade desde há muito identificada e também trabalhada, mas cujos resultados estão longe de ser satisfatórios.”

Embora não se fale tanto, também tem crescido “o número de jovens com intervenção simultânea da justiça juvenil e da justiça penal”. Tanto que Maria João Leote Carvalho está convencida de que “os jovens adultos (16-21 anos) constituem um dos maiores desafios que se colocam à DGRSP”.

“Há necessidade de pensar programas e medidas mais dirigidos a este grupo etário junto do qual é muito complexa a intervenção, pela fase de transição para a vida adulta em que se encontram num mundo marcado cada vez mais por riscos e incertezas”, alerta. “A gratuidade da violência nas práticas destes jovens e a falta de empatia pelo outro que é a vítima exigem muito trabalho que além da DGRPS deveria implicar mais as comunidades de origem.”

A especialista remata chamando a atenção para a prevalência de problemas de saúde mental. “A necessidade de respostas especializadas em função de certos comportamentos é uma questão que vem a ser pensada na DGRSP e se espera ver mais concretizada sendo a intervenção de prevenção a resposta fundamental para que muitas destes casos não evoluam negativamente.”

É conhecida a falta de técnicos superiores e profissionais de reinserção social nos seis centros educativos, onde um total de 148 jovens cumpriam medidas tutelares em Agosto. No entender desta investigadora do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, também há que dotar as equipas tutelares educativas na comunidade de mais meios humanos “uma vez que são o centro da intervenção da justiça juvenil, desde o início da intervenção, passando pela avaliação, até à execução da maioria das medidas tutelares educativas aplicadas pelos tribunais”.

Maria João Leote Carvalho, constata que “o volume de trabalho é enorme”. E que só “o elevado profissionalismo e dedicação tem evitado um ainda maior colapso do sistema e os jovens”. Parece-lhe fundamental valorizar a carreira de técnico profissional de reinserção social para que queiram continuar a trabalhar no sector, vez de usarem os concursos que se vão abrindo como trampolim para outras carreiras da administração pública.

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