A ciência em Portugal: o que fazer com este orçamento?

Pedimos que se faça tudo o que for possível para mitigar o incumprimento do programa do Governo suportado pela Assembleia da República no que diz respeito ao reforço do financiamento da ciência.

A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) é a principal agência responsável pelo financiamento e avaliação de instituições de investigação, projetos, redes, infraestruturas e recursos humanos em todos os domínios da ciência e tecnologia. A FCT facilita ainda a integração de Portugal em programas de investigação internacionais, nomeadamente na União Europeia. Após um período de crescimento constante e muito significativo entre 1987 e 2009, no qual o investimento em investigação e desenvolvimento (I&D) em percentagem do produto interno bruto (PIB) cresceu de 0,5% em 1987 até 1,5% em 2009, a partir de 2010 verificou-se uma queda significativa, que se prolongou até 2015.

Na realidade, só em 2020 se retomaram os valores de 2009 e, apesar da trajetória positiva nos últimos anos, o investimento em ciência em Portugal em 2022 foi de apenas 1,7% do PIB, ainda muito abaixo do valor de referência de 2,5% dos principais países da União Europeia (EU) e dos 3% sistematicamente prometidos.

Este fraco investimento no Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) é também espelhado na evolução do financiamento da FCT: após um período inicial de grande crescimento entre 1997 (87 milhões de euros) e 2010 (466 milhões de euros), o financiamento sofreu um decréscimo considerável até 2017 (364 milhões de euros), recuperando ligeiramente em 2019 (496 milhões de euros). Sendo a FCT o maior agente financiador da ciência em Portugal, podemos concluir que os níveis de financiamento continuam a ser insuficientes para sustentar um SCTN robusto e competitivo.

Apesar desta instabilidade financeira, os resultados do desenvolvimento do SCTN ao longo dos últimos 35 anos foram claramente surpreendentes: Portugal está agora entre os países com melhor desempenho na UE, na OCDE e a nível mundial em diversas áreas científicas e o SCTN tem desempenhado um papel transformador na modernização de Portugal, na qualificação dos recursos humanos e no fomento da inovação.

Em suma, apesar do inestimável contributo do SCTN para o desenvolvimento do país, o seu potencial é prejudicado por desafios sistémicos, reconhecidos por todos os partidos com assento parlamentar. A nossa capacidade de produzir ciência de qualidade e de reter e de atrair talento está a ser seriamente comprometida, deixando a geração mais bem formada de sempre sem um futuro para contribuir no seu país.

Para evitar perder décadas de investimento e progresso, é vital fazer mudanças profundas.

A médio e longo prazo, é fundamental adotar um roteiro estratégico, bem financiado e menos burocrático para a ciência. Está na hora de se conseguir um acordo abrangente, um financiamento de acordo com a consensual Agenda de Lisboa que garanta regularidade e previsibilidade na abertura de concursos anuais para projetos e uma estratégia transparente, desburocratização e com respeito pelas instituições e pelos cientistas. Na verdade, o reforço do financiamento do SCTN, aproximando-se do objectivo dos 3% do PIB, foi defendido por Aliança Democrática, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, Livre, e Partido Socialista durante a campanha eleitoral para as eleições legislativas de 2024.

A curtíssimo prazo, é urgente reconhecer que, apesar destas promessas, navegamos em sentido contrário. O Orçamento do Estado (OE) agora em discussão não só não cumpre este objectivo de aproximação, como até reduz o financiamento previsto da FTC.

Assim, e sem minimizar a importância de se repensar de forma profunda o SCTN, apelamos aos deputados para que votem positivamente qualquer proposta de alteração que venha reforçar, mesmo que de forma mínima, a contribuição do OE para a FCT.

Apelamos também a toda a comunidade científica para que faça ouvir a sua voz, escrevendo aos seus representantes na Assembleia da República e no Governo.

Como investigadores e eleitores, vimos pedir que se faça tudo o que ainda for possível para mitigar o incumprimento do programa do Governo suportado por esta Assembleia da República no que diz respeito ao reforço substantivo do financiamento da ciência em Portugal.

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

Adelino Canário
Aída Mendes
Claudio Sunkel
Claudio M. Soares
Claúdia Cavadas
Helder Maiato
Helena Freitas
Helena Machado
Joana Gonçalves de Sá
João Ramalho Santos
João Carlos Sousa
João Conde
João Rocha
José F. Oliveira
Luís Oliveira e Silva
Margarida Amaral
Mariana Pinho
Marina Costa Lobo
Maria Mota
Miguel Bastos Araújo
Mónica Bettencourt Dias
Pedro Magalhães
Ilídio Correia
Miguel Castelo Branco
Rita Payan Carreira
Salomé Pinho

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