Um residente de Amarante que tenha um consumo anual de água de 120 metros cúbicos está a pagar cinco vezes mais na sua factura do que um habitante de Vila Nova de Foz Côa que consuma exactamente o mesmo. Já no caso de um consumo anual de 180 metros cúbicos, um cidadão que resida no Fundão paga seis vezes mais do que um morador em Foz Côa. Trata-se de uma diferença que pode chegar aos 400 euros, no primeiro caso, e aos 600, no segundo.
As contas são da Deco, que analisou as tarifas cobradas na factura da água em todos os concelhos portugueses e concluiu que há “disparidades significativas” no valor cobrado aos cidadãos sem que pareça haver “justificações válidas” para tal. A associação já faz este estudo há vários anos e tem vindo a constatar que “o fosso está cada vez mais profundo”. Em 2023, a diferença máxima entre municípios era de 376 euros - a situação piorou este ano, portanto.
Além do abastecimento de água, que inclui o consumo e uma tarifa de disponibilidade, os consumidores também pagam os serviços de saneamento e de recolha e tratamento de lixo na sua factura da água. Foi com base nestes três valores, definidos pelo Estado, por cada município e/ou conjunto de municípios (dependendo da zona do país), que a Deco fez o estudo divulgado nesta terça-feira, e que deixou de fora os impostos que acrescem às facturas.
Assim, diz a associação em comunicado, em Amarante um morador paga 494,47 euros por ano, se consumir dez metros cúbicos mensais (segundo escalão) e em Vila Nova de Foz Côa paga 94,09 euros.
Há, desde logo, uma diferença importante entre os dois municípios: é que a Câmara de Foz Côa não cobra pelo saneamento aos seus munícipes, o que, aliás, lhe tem valido recorrentes avaliações “insatisfatórias” do serviço por parte da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). Mas o valor cobrado aos amarantinos só pelo abastecimento de água (207,93 euros/ano) supera largamente o que pagam os habitantes de Foz Côa pelo mesmo serviço (73,69 euros) e pela recolha e tratamento de resíduos urbanos (20,40 euros).
Top mais e top menos
Na análise da Deco, para consumos anuais de 120 metros cúbicos de água, é em Amarante (494,47 euros), Oliveira de Azeméis (491,94), Ovar (477,81), Albergaria-a-Velha (477,15) e Baião (476,24) que se praticam os cinco preços mais elevados do país. Foz Côa (94,09 euros), Castro Daire (108), Terras de Bouro (108,38), Vila Flor (114) e Vila Nova de Paiva (124,20) estão no extremo oposto, cobrando os valores mais baixos.
No caso de consumos anuais de 180 metros cúbicos de água (15 por mês), as facturas mais altas estão no Fundão (776,74 euros), em Oliveira de Azeméis (718,94), Santa Maria da Feira (705,52), Amarante (678,87) e Espinho (673,72). Já as mais baixas estão em Vila Nova de Foz Côa (125,92 euros), Castro Daire (141), Terras de Bouro (146,90), Vila Flor (160,80) e Vila Nova de Paiva (166,20). É entre estes concelhos que a diferença pode chegar aos 600 euros.
São municípios e regiões que têm grandes diferenças em população, densidade habitacional e geografia – factores que contribuem para a diferenciação de preços. Teoricamente, quanto maior a necessidade de investimentos na rede, e quanto mais complexas forem as intervenções, mais altos serão os preços.
Para a Deco, no entanto, não é isso que explica preços tão díspares. “As razões para estas desigualdades não são claras, uma vez que estas não se justificam apenas por diferenças de investimentos”, diz Mariana Ludovino, porta-voz da associação. Além disso, acrescenta, “ainda poucos municípios oferecem tarifas adaptadas a famílias numerosas, agravando ainda mais as desigualdades”.
Por outro lado, diz a ERSAR que “o preço cobrado deve servir para, no mínimo, cobrir os custos suportados pelas entidades gestoras com a prestação dos serviços, num cenário de gestão eficiente”. Ora isso também não está a acontecer em alguns casos, alerta a Deco, sublinhando “a insustentabilidade financeira de alguns serviços”.
No seu mais recente Relatório Anual dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal, relativo a 2022, a ERSAR já chamava a atenção para o facto de os serviços de saneamento e de resíduos “em baixa” (ou seja, os prestados directamente aos consumidores) manterem “uma situação de não recuperação de gastos”, o que podia “colocar em causa a sustentabilidade dos sectores”.
Novas regras
A partir de 2026, graças a um decreto-lei aprovado em Outubro em Conselho de Ministros, a ERSAR vai voltar a ter poderes para intervir mais directamente na definição de tarifários. Com a aprovação do Orçamento do Estado para 2021, no tempo do Governo de António Costa, a entidade perdera essa capacidade, que agora foi reposta pelo Ministério do Ambiente.
No fundo, são repostas as normas dos estatutos da ERSAR de 2014 que lhe davam a capacidade de “regulamentar” as tarifas nos sistemas municipais, independentemente de serem de gestão directa ou concessionada, e de “aprovar regulamentos tarifários” – em vez de apenas emitir “recomendações tarifárias”.
Para Mariana Ludovino, esta decisão do Governo significa que “a harmonização tarifária tem as condições necessárias para ocorrer num futuro não muito distante”.