Luís Campos: a crise climática “é o maior desafio que os profissionais de saúde têm pela frente”

Presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente defende que “a emergência climática é uma emergência de saúde pública” e exorta o Ministério da Saúde a ver o clima como “prioridade política”.

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Luís Campos: "Penso que estas alterações climáticas têm sucedido com um ritmo muito inesperado e, naturalmente, as pessoas não gostam de más notícias. Faz parte da natureza humana às vezes meter a cabeça debaixo da areia" Nuno Ferreira Santos
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“Temos de começar a defender que a emergência climática é uma emergência de saúde pública”, afirma Luís Campos, presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), nesta entrevista por videochamada ao PÚBLICO.

O médico avisa que “as alterações ambientais vão ser nas próximas décadas o determinante principal da saúde pública das populações”. Dessa forma, defende que as questões do clima sejam não só parte da formação dos profissionais de saúde, mas também “uma prioridade política” do Ministério da Saúde.

Luís Campos é o orador principal da 2.ª edição da Conferência Cidade Azul, um evento dedicado à ligação entre clima e saúde e que tem lugar nesta quarta-feira no Convento de São Francisco, em Coimbra. O encontro, organizado pelo PÚBLICO, pela Câmara Municipal de Coimbra e pela Universidade de Coimbra, tem entrada livre, mas exige inscrição prévia.

Quais são as principais ameaças das alterações climáticas para a saúde das populações?
Penso que o ambiente tem estado muito divorciado da saúde – de tal forma que esta COP29 foi apenas a segunda Cimeira do Clima que incluiu um dia dedicado à saúde. Pela primeira vez, houve uma Cimeira de Ministros da Saúde em Bacu. Temos de começar a integrar estas duas áreas porque as questões ambientais são um pouco abstractas para o público. Mas quando dizemos que isto está a afectar a saúde das populações, as pessoas ficam mais sensíveis. E nós, profissionais de saúde, temos aqui uma particular responsabilidade, uma vez que sabemos que uma em cada quatro pessoas morre por factores ambientais.

Quais são essas principais determinantes ambientais na saúde?
Em primeiro lugar, o problema [do crescimento] da população. Demorámos cerca de 200.000 anos a chegar a mil milhões de pessoas, o que aconteceu em 1804. E levámos apenas 220 anos para chegar a 8000 milhões de pessoas, o que aconteceu em 15 de Novembro do ano passado. E desde 1970 que o que planeta não tem capacidade de se regenerar.

Refere-se à sobreexploração de recursos? À produção de alimentos?
Exactamente. O planeta não tem capacidade de produzir alimentos e recursos naturais suficientes para suportar toda esta população. Em segundo lugar, temos as alterações climáticas – e temos a consciência de que a evolução está a decorrer pelos cenários mais pessimistas. O ano de 2023 foi o ano mais quente alguma vez registado. Pensa-se que 2024 vai ser mais quente e, no entanto, pode ter sido o ano mais fresco do resto das nossas vidas.

É provável que nos próximos seis anos cheguemos a 1,5 graus Celsius de aquecimento em relação à época pré-industrial, que era o limite estabelecido para 2100. Teremos de reduzir para metade a emissão de gases com efeito de estufa até ao fim desta década. Isso não está a acontecer e tem muitas consequências como, naturalmente, as ondas de calor, que são muito importantes para a saúde das populações, embora em Portugal ainda se morra mais de frio do que de calor.

E os outros factores?
Há a seca. Neste momento, já são afectados 55 milhões de pessoas por ano. Pensa-se que em 2050, 75% da população mundial possa ser afectada pela seca. A terceira determinante ambiental mais importante para a saúde é a degradação dos ecossistemas e a poluição. Uma em cada dez pessoas respira ar que excede os limites estabelecidos para Organização Mundial da Saúde. Estima-se que 75% dos peixes que comemos têm microplásticos – e, portanto, os microplásticos podem ser um novo factor de risco para a saúde humana. A quarta determinante é a perda da biodiversidade. E, finalmente, o esgotamento dos recursos naturais. Neste ponto, Portugal é afectado em particular pela escassez de água.

Quais são os maiores desafios climáticos que Portugal enfrenta na área da saúde?
É um país que tem mais vulnerabilidades em certos aspectos. As alterações climáticas e a degradação ambiental afectam particularmente algumas populações mais vulneráveis – crianças, idosos, pessoas pobres e sem abrigo. Portugal tem uma população muito idosa. Calcula-se que, com o índice de envelhecimento da população portuguesa, venhamos a ser o quarto país do mundo com a população mais envelhecida.

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Os idosos são um dos grupos vulneráveis às ondas de calor Adriano Miranda

Por outro lado, temos uma situação geográfica, no Sul da Europa, que nos torna muito mais susceptíveis ao aquecimento e à intensidade e à frequência das ondas de calor. Portugal e Espanha deverão ser os primeiros países onde não somente as ondas de calor, mas o aquecimento, a desertificação e a escassez de água vão ser notados em primeiro lugar na Europa. Trata-se, portanto, de algo diferente, que nos distingue dos outros países.

De que forma é que esta diferença vai afectar a saúde da população em Portugal? Já falou dos idosos e das ondas de calor. E os vectores de doenças infecciosas?
As pessoas falam sobre as doenças infecciosas como as mais impactadas pelas alterações ambientais, mas não, à cabeça temos as doenças cardio e cerebrovasculares. Provadamente, as alterações ambientais e o aquecimento aceleram o processo de aterosclerose. E depois temos outros tipos de doenças, como as respiratórias, o cancro, as alergias, as doenças materno-infantil. Sabemos, por exemplo, que o aquecimento e a poluição estão a diminuir o peso das crianças à nascença.

Depois, temos as doenças transmitidas por vectores, como a malária, o dengue ou o Zika. Não costumamos pensar no mosquito como o animal que mais mata no mundo, mas os mosquitos matam, em média, 780.000 pessoas cada ano. Já os tubarões, que são tão vilipendiados nos filmes, mataram este ano quatro pessoas. Aquilo que estamos a ver agora é que os vectores estão a expandir a sua área de disseminação e, portanto, vamos ter doenças transmitidas por vectores que até agora eram características de climas tropicais, mais cedo ou mais tarde.

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Luís Campos

Disse no começo da entrevista que havia um divórcio entre as esferas da saúde e do ambiente. O que explica essa separação?
Penso que estas alterações climáticas têm sucedido com um ritmo muito inesperado e, naturalmente, as pessoas não gostam de más notícias. Faz parte da natureza humana às vezes meter a cabeça debaixo da areia. Por outro lado, há um caminho que se tem feito. Quando falávamos sobre as determinantes da saúde, falávamos mais sobre os estilos de vida e eu costumava mostrar um gráfico que indicava que 40% da saúde das pessoas é determinada por comportamentos de risco (não fazer exercício, fumar tabaco, má alimentação). E apenas 10% surgia associada a factores ambientais. Isto já não é verdade.

As alterações ambientais vão ser nas próximas décadas o determinante principal da saúde pública das populações. Nós temos de começar a defender que a emergência climática é uma emergência de saúde pública. É maior desafio que os profissionais de saúde têm pela frente. É chocante ver que estes temas ainda não estão incorporados no ensino pré e pós-graduado – e essa talvez seja outra explicação [para o divórcio entre saúde e ambiente].

Os decisores políticos estão abertos a essa visão integrada do clima e da saúde?
Gostaria de dizer que sim, mas infelizmente tenho de dizer que não. Em termos nacionais, temos metas ambiciosas de redução da pegada carbónica e feito um trajecto muito interessante comparado com os outros países europeus. No entanto, há muitas áreas em que nós podemos melhorar. Por exemplo: na área da redução do impacto ambiental no sector da saúde, não é uma prioridade política. O impacto ambiental de cada decisão de compra no sistema de saúde, ou de reorganização dos cuidados, ainda não faz parte dos critérios de decisão – e tem de começar a fazer.

Deve ser uma prioridade política?
Tem de ser uma prioridade política quer ao nível do Ministério da Saúde, quer no sistema público, quer no privado. Vejo nos grupos privados estratégias mais sérias da redução do impacto ambiental do que o Serviço Nacional de Saúde, que infelizmente está muito concentrado nas áreas do edificado – ou seja, iluminação, transportes e energia associada aos sistemas de aquecimento e arrefecimento. E tem deixado de fora toda a parte clínica, onde há imensas oportunidades de melhoria. Podemos, por exemplo, eliminar os inaladores que recorram a clorofluorcarbonetos e substituir os equipamentos de uso único por opções reutilizáveis.