Ações contra a AIMA que lotam tribunal se assemelham a litígios de massa no Brasil

Processos coletivos em massa movidos por vários autores têm sobrecarregado os Judiciários brasileiro e europeu sem garantia de ganhos para os demandantes e com impactos pesados sobre a economia.

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Tribunais estão sendo abarrotados de processos coletivos. No Brasil, setores mais acionados na justiça são o financeiro e o de saúde complementar Nuno Ferreira Santos
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As ações em massa impetradas por imigrantes contra a Agência para Integração. Migrações e Asilo (AIMA) levaram o Tribunal Administrativo Fiscal, em Portugal, a quase um colapso. Essa situação, ainda que em menor dimensão, mas preocupante, assemelha-se ao que está acontecendo nos tribunais brasileiros e de alguns países da Europa, em que os litígios coletivos têm abarrotado a Justiça, sem a garantia de ganhos efetivos para os autores das ações e com impactos pesados sobre a economia.

“O que vemos no Brasil é uma explosão de litígios, que estão hoje sob o olhar atento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)”, diz Cristiane Coelho, coordenadora científica do Fórum Impactos Econômicos e Sociais dos Litígios em Massa, que será realizado nos dias 28 e 29 de novembro, em Lisboa. Ela ressalta que o assunto ganhou uma dimensão tão grande, que, em 22 de outubro último, o CNJ recomendou, em uma resolução, o tratamento e a prevenção da litigância predatória. Ela explica que o litígio de massa abrange todas as espécies de disputas judiciais que tenham vários atores autores e interesses envolvidos.

Segundo Cristiane, que é diretora da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF), os problemas enfrentados pelo Judiciário brasileiro com os litígios de massa fizeram com que empresas brasileiras fossem chamadas a resolver as pendências em território europeu. O argumento foi o de que não há instrumentos jurídicos eficazes no Brasil para a proteção de direitos coletivos. “Um exemplo é o caso da ação indenizatória oriunda do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana”, afirma.

A executiva destaca que, apesar de a Samarco ser uma empresa brasileira, a Corte de Apelação da Inglaterra entendeu que era cabível prosseguir o julgamento de ação ajuizada naquele país por vítimas brasileiras contra a BHP Inglaterra, controladora da BHP Brasil, detentora de 50% das ações da Samarco. O caso de Mariana envolve um dos maiores desastres ambientais do Brasil.

“O argumento da Corte Inglesa foi o de que o Direito Processual brasileiro não dispõe de mecanismos tão adequados quanto os do Direito inglês para processar casos de danos coletivos. Segundo a Corte Inglesa, as ações civis públicas e os litígios pulverizados no Brasil não seriam alternativas aptas a garantir o ressarcimento dos atingidos pela tragédia”, assinala.

Impactos econômicos

Cristiane frisa que, na Europa, o tratamento dos litígios de massa tornou-se tema de debate. “Em 2020, o Parlamento e o Conselho Europeus editaram a Diretiva 2020/1828, unificando os procedimentos que tratam de ações coletivas. A Diretiva prevê que todos os países da União Europeia devem dispor de mecanismos para tratar ações de massa, de modo a promover o acesso satisfatório dos consumidores à Justiça e se evitar a litigância abusiva”, explica.

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Cristiane Coelho ressalta que vários processos que tramitavam no Brasil estão sendo transferidos para tribunais europeus Arquivo pessoal

Na avaliação dele, são vários os impactos desses litígios sobre a população e a economia. “De um lado, há efeito sobre os preços, pois os custos com advogados, processos judiciais e indenizações desproporcionais ao dano objetivo do demandante elevam o custo de produção e, por consequência, os valores finais de produtos e serviços para os consumidores”, diz. “De outro, há o desestímulo aos investimentos, pois, diante do crescente volume e imprevisibilidade de ações judiciais, a insegurança jurídica desmotiva novos projetos no país.”

Há, ainda, no entender da executiva, o efeito econômico geral, ou seja, a transferência dos custos judiciais para a população geral, afetando o poder de compra e diminuindo o consumo. Ela, por sinal, lista os setores que mais vêm enfrentando litígios em massa: aeroviário, saúde suplementar, financeiro, telecomunicações. “Estamos falando de setores que lidam com grande número de clientes, possíveis danos ambientais, como a mineração, e legislação extremamente protetora dos consumidores”, afirma.

No caso do sistema financeiro, lembra Cristiane, um estudo da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aponta para a existência de aproximadamente 300 mil ações judiciais movidas contra oito instituições financeiras que foram identificadas como ilegítimas. “A estimativa é de que os gastos com essas demandas totalizaram mais de R$ 500 milhões (8 milhões de euros). No setor de aviação civil, segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), o Brasil registra 5 mil vezes mais processos judiciais que os Estados Unidos. “Cerca de 10% dos aproximadamente 400 mil processos movidos no país foram ajuizados por apenas 20 advogados ou escritórios especializados”, detalha.

No segmento de saúde suplementar, acrescenta Cristiane, o Conselho Nacional de Justiça revela que, de 2020 a 2023, o número de novos processos recebidos pelos tributais aumentou em 63,8%, de 141 mil para 231 mil. “Somente de janeiro a setembro de 2024, foram registrados cerca de 215 mil processo”, destaca. Por isso, acredita ela, é fundamental contribuir para “o debate mundial sobre soluções seguras, equilibradas e eficientes para a litigância de massa, com atenção à capacidade dos instrumentos jurídicos de alcançarem a adequada reparação das vítimas e à proteção contra o uso abusivo do Poder Judiciário”.

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