Ministério Público francês pede 20 anos de prisão para ex-marido de Gisèle Pelicot
Procuradores querem a pena máxima para Dominique Pelicot, que organizou a violação colectiva da sua mulher por dezenas de estranhos entre 2011 e 2020.
Os procuradores franceses pediram a pena máxima de 20 anos de prisão para Dominique Pelicot, que organizou a repetida violação colectiva da sua então mulher, Gisèle Pelicot, deixando-a inconsciente com drogas e convidando dezenas de estranhos a abusarem dela na casa de morada de família.
Pelicot, de 71 anos, admitiu as acusações num julgamento que atraiu a atenção global e se transformou numa denúncia da violência sexual em França e não só. Cinquenta outros homens, recrutados na Internet, são também julgados por participarem nos actos sexuais, que tiveram lugar entre 2011 e 2020.
Os procuradores, que nos próximos dois dias irão pronunciar-se sobre as penas que pretendem aplicar aos co-arguidos, rejeitaram os argumentos apresentados por muitos dos homens de que não se tinham apercebido de que estavam a violar Gisèle Pelicot ou que não tinham intenção de o fazer. Gisèle Pelicot aparece imóvel enquanto os arguidos abusam dela em milhares de vídeos e fotografias gravados pelo seu então marido e apresentados em tribunal nas últimas semanas.
“Os acusados estão a tentar fugir à responsabilidade dizendo que pensavam que Gisèle Pelicot tinha consentido”, disse a procuradora Laure Chabaud ao Tribunal Penal de Vaucluse, em Avignon, no Sudeste de França. “Mas não é possível, hoje, em 2024, considerar tal hipótese”, disse Chabaud, acrescentando que o vídeo e as fotografias mostram claramente que Gisèle Pelicot estava inconsciente e, portanto, incapaz de dar o seu consentimento.
Quanto à pena pedida para Dominique Pelicot, que admitiu ter violado a sua mulher e ter organizado a sua violação por terceiros, “é demasiado pouco, tendo em conta a gravidade dos actos cometidos e repetidos”, considerou Chabaud.
Os procuradores disseram também que pretendiam uma pena de 17 anos para Jean-Pierre Marechal, de 63 anos de iade, que admitiu ter trabalhado com Dominique Pelicot para drogar a sua própria mulher, Cilia, e para que ambos a violassem, depois de se terem conhecido num site entretanto encerrado.
A advogada de Dominique Pelicot, Beatrice Zavarro, disse aos jornalistas que não era uma surpresa o facto de os procuradores terem pedido a pena mais longa possível. Os veredictos e as sentenças são esperados para 20 de Dezembro.
Gisèle Pelicot, de 71 anos, poderia ter exigido que o julgamento fosse realizado à porta fechada, mas, em vez disso, pediu que fosse público, dizendo que esperava que isso ajudasse outras mulheres a falar e mostrar que as vítimas não têm nada de que se envergonhar.
O julgamento desencadeou manifestações de protesto em apoio de Gisèle Pelicot e provocou um debate sobre a actualização da lei das violações. Ao contrário do que acontece noutros países europeus, a lei francesa não menciona a exigência de consentimento para a prática de relações sexuais e exige que os procuradores provem a intenção do agressor de violar usando “violência, coacção, ameaça ou surpresa”.
Para o Ministério Público francês, o que está em causa neste processo de múltiplas violações é “mudar fundamentalmente as relações entre homens e mulheres”. “Este processo abalou a nossa sociedade em termos da nossa relação com os outros, em termos das relações mais íntimas entre os seres humanos”, afirmou o procurador Jean-François Mayet, acrescentando que o que está em causa não é apenas “uma condenação ou uma absolvição”.