Candidato anti-NATO vence primeira volta das presidenciais romenas
Calin Georgescu é crítico da ajuda à Ucrânia e elogia Vladimir Putin. As sondagens não lhe davam mais de 5%, mas agora está bem colocado para chegar à presidência.
Um candidato crítico da NATO e da ajuda à Ucrânia venceu a primeira volta das eleições presidenciais romenas no domingo, causando uma surpresa sem precedentes na história recente do país do Leste europeu.
As sondagens atribuíam a Calin Georgescu, um ultranacionalista conhecido por elogiar o Kremlin, cerca de 5% dos votos, mas o candidato independente acabou por alcançar 22,9% na primeira volta das presidenciais de domingo. A generalidade dos comentadores políticos destacou o choque com os resultados.
“Nunca nos nossos 34 anos de democracia vimos uma subida destas comparada com as sondagens”, disse à Reuters o analista Radu Magdin. O investigador da Universidade de Aarhus na Dinamarca, Costin Ciobanu, disse ao Financial Times que as eleições foram “um terramoto político”.
Atrás de Georgescu ficou a candidata de centro-direita Elena Lasconi, com 19%, seguida de perto pelo primeiro-ministro, o social-democrata Marcel Ciolacu, que partia como favorito. Numas eleições dominadas pelo sentimento anti-establishment, o Partido Social Democrata (PSD, de centro-esquerda) não terá um candidato na segunda volta das presidenciais pela primeira vez desde a democratização.
Um dos efeitos imediatos do choque causado pela vitória de Georgescu foi a apresentação da demissão de Ciolacu da liderança do PSD, já nesta segunda-feira. Ciolacu irá continuar como primeiro-ministro até às eleições legislativas do próximo domingo. O candidato do partido Nacional Liberal, parceiro de coligação do PSD no Governo, também obteve um mau resultado, reforçando ainda mais a ideia de que as presidenciais serviram para penalizar os partidos tradicionais romenos.
O consultor político Cristian Andrei disse ao Guardian que o resultado simboliza “um grande protesto ou revolta contra o establishment”, notando que os partidos tradicionais “perderam a ligação com os romenos comuns”. A segunda volta das eleições presidenciais está marcada para 8 de Dezembro.
Sem partido e com uma comunicação baseada quase em exclusivo nas redes sociais, com destaque para o TikTok, Georgescu fez uma campanha em que questionou a pertença da Roménia à NATO – a aliança tem uma importante base no Sul do país – e criticou a ajuda dada à Ucrânia.
“Hoje, o povo romeno gritou pela paz”, escreveu Georgescu numa publicação no Facebook assim que a sua vitória foi confirmada. “Somos fortes e corajosos, muitos de nós votaram, e mais ainda irão fazê-lo na segunda volta”, acrescentou.
De Moscovo, a reacção à vitória de Georgescu foi contida. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse que o Governo não está "familiarizado com a visão do mundo" do candidato presidencial, mas destacou que a Roménia "não é um país amigável" neste momento.
O sistema semipresidencial romeno assegura ao Presidente importantes poderes, sobretudo na esfera das relações externas. Com eleições legislativas marcadas para o próximo domingo, está no horizonte a possibilidade de que o Governo liderado pelo PSD possa voltar a ser fortemente punido e que se instale um cenário de ingovernabilidade.
Georgescu chegou a pertencer ao partido de extrema-direita Aliança pela União dos Romenos (AUR), liderado por George Simion, mas foi expulso por ser considerado demasiado radical depois de ter elogiado a Guarda de Ferro, um movimento fascista fundado nos anos 1920 na Roménia. Simion ficou em quarto lugar nas presidenciais de domingo e já pediu aos seus eleitores para que apoiem Georgescu na segunda volta.
Depois de uma carreira como consultor internacional especializado em desenvolvimento sustentável, tendo trabalhado com agências das Nações Unidas, Georgescu pretende chegar à presidência da Roménia para pôr em causa o seu alinhamento com o Ocidente. Georgescu já chegou a classificar o sistema de defesa balística da NATO na Roménia de "diplomacia vergonhosa", pôs em dúvida o compromisso da aliança em defender os seus membros e elogiou o Presidente russo, Vladimir Putin, como um dos poucos "verdadeiros líderes" mundiais.
As eleições romenas tiveram como pano de fundo a degradação das condições económicas da maioria dos romenos, causada pelo aumento do custo de vida. O país de 19 milhões de habitantes regista a taxa de inflação mais elevada entre os membros da União Europeia e é também aquele no qual o risco de pobreza é mais elevado.