Sobre a consciência em António e Hanna Damásio. Ensaios de duas alunas

Publicamos dois curtos ensaios de alunas de doutoramento que assistiram a uma conferência dos neurocientistas António e Hanna Damásio em Lisboa. Estes textos destacaram-se num concurso nacional.

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Cérebro humano Daniel Rocha
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Os neurocientistas António e Hanna Damásio prepararam uma conferência sobre a mente e a consciência humana a propósito da comemoração dos 30 anos da Fundação Bial, na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, no início de Outubro. Aos alunos de licenciatura, mestrado e doutoramento de qualquer instituição de ensino superior do país que assistiram à conferência Sobre a Fisiologia da Mente 2024, apresentada por António Damásio e preparada em conjunto com Hanna Damásio, foi lançado o desafio de escreverem ensaios que submeteriam a um prémio.

Os dez melhores ensaios receberiam um prémio, no valor de mil euros cada um, promovido pela Universidade de Lisboa em parceria com a Fundação Bial. O prémio contou com 58 candidaturas apreciadas por um júri presidido por Cecília Rodrigues, vice-reitora da Universidade de Lisboa. A cerimónia de entrega dos prémios foi esta segunda-feira ao final da tarde, na reitoria da Universidade de Lisboa.

Na realidade, foram premiados 11 ensaios, dois deles em ex aequo foram considerados também pelo júri como os melhores de todos, e que publicamos em seguida.

Inversão do paradigma tradicional da consciência

A consciência, definida como uma identificação automática de um processo cognitivo contínuo com um corpo vivo específico, é o que permite a personificação de um organismo e, discutivelmente, o emergir do conceito de “eu”. António e Hanna Damásio inverteram o paradigma tradicional da conceptualização da consciência enquanto função de alto nível cognitivo.

O casal Damásio argumenta que esta apropriação dos processos mentais é fundamental até nas formas de vida mais simples a fim de sobreviverem. Seguindo uma abordagem holística que evita dissecar a consciência em vários componentes individuais e especializados, explicam porque acreditam que esta surja no “cérebro reptiliano”, e não nas sofisticadas estruturas corticais. De facto, estudos prévios demonstraram as elevadas capacidades dos invertebrados em processos relacionados com a consciência, tais como a resolução de problemas ou experiência subjectiva.

Defendem que a homeostasia, contínua e espontânea por natureza e responsável por assimilar e integrar informação tal como a interocepção, é a principal força motriz no surgimento da consciência. Considerado este sofisticado equilibrador como sendo a nossa avaliação espontânea das qualidades e intensidades dos processos de vida, e as suas ligações à percepção, reflexão e mecanismos linguísticos, a homeostasia será, plausivelmente, um actor crucial na consciência.

No entanto, esta perspectiva implica novas questões e desafios: qual é a fronteira, se existe uma, entre consciência e instinto? Se os invertebrados possuem consciência, isso implica uma experiência interna semelhante à nossa? Mais prementemente, poderá este fenómeno ser reproduzido artificialmente?

Teoricamente, se desenvolvermos uma estrutura bio-robótica equipada com software capaz de replicar estados de sentimentos homeostáticos e de discernir estímulos externos, poderia simular consciência? Emergiria um novo tipo de mente? Mesmo que separemos mente e consciência, considerando a primeira como uma extensão da segunda na qual se incluem capacidades e decisões (in)voluntárias, mas também experiências subconscientes, poderia isso suceder num produto sintético?

Provavelmente a definição de consciência nunca chegará a um consenso universal, dadas as propriedades metafísicas intrínsecas do debate, as suas pesadas implicações na organização actual da nossa sociedade e a própria essência da identidade humana. Todavia, a tentativa de identificar o que torna os seres humanos tão únicos e até superiores leva-nos muitas vezes a humildemente perceber que todas as formas de vida são, nada menos, que um extraordinário milagre físico.

Vera Mascarenhas Pombeiro Duarte Silva – aluna de doutoramento em Ciência Cognitiva da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

O silêncio necessário à compreensão humana

Um pequeno concerto de cordas com melodias de Mozart foi o mote para uma tarde [que antecedeu a conferência de António e Hanna Damásio] onde a fisiologia (grego, physis = natureza; logos = estudo) do cérebro se dissecou afincadamente. Contudo, a maior obra de arte apresentada esteve no sentido criativo de António Damásio e Hanna Damásio, com carinho intitulados os “Milagres” por Maria de Sousa, ao colocarem silêncios entre a música do nosso conhecimento acerca do cérebro que damos como adquirida. Conseguiram-no através de uma melódica e perspicaz transição entre a natureza de todos os compartimentos da nossa mente ou consciência e o estudo aprimorado de que o que se denota num olhar pode ser bem mais que só a alma do outro.

A consciência humana foi assim como um silêncio apresentado do qual muitos acharam ou acham de importância rasa na complexidade do nosso cérebro. Um silêncio para os Damásio de inolvidável importância, para mim também depois deste dia e, tal como para Mozart, onde a música reside: “A música não está nas notas, mas no silêncio entre elas.”

Ficou em mim uma reflexão latente de que seremos tudo o que quisermos, sentiremos tudo o que quisermos, pensaremos tudo o que quisermos, caso a nossa consciência o permita. E, ainda, caso tenhamos este silêncio na conta certa entre todas as notas da música que é tocada no nosso cérebro. Contudo, sem este silêncio, poderá não existir melodia e, consequente, música a tocar. Seremos seres sem mente por não termos percepção dela própria? É, então, a consciência a nossa actriz principal nisto que é sentir, pensar e agir?

De consciência precisamos todos: uma guerra não se começa se não perdermos um pouco da consciência do que somos e o amor não chama por nós, caso não tenhamos a consciência de que com ele tudo ganhamos ou perdemos.

No caso da fotografia do estudo apresentado de Shewmon, Holmes e Byrne (1999) em que uma menina mesmo com debilidades profundas no seu cérebro consegue ter um olhar que demonstra interacção emocional, também aqui nos é denunciada a importância da consciência como o cerne dos “Milagres” da vida humana. Este olhar de aviso às consciências alheias de que existem várias formas de sermos humanos num processo contínuo de um corpo vivo.

Pois, no fim, concordemos que para percebermos o significado do silêncio precisamos da consciência de que este está a existir. Precisamos de ser um maestro que coloca o silêncio entre as notas da sua música.
Inês de Andrade Matos Gonçalves Saraiva – aluna de doutoramento da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

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