O retorno de Trump e a nova conformação do poder

O prestigiado professor John H. Cochrane pontuou que a eleição de Donald Trump traduzira “a big vote against lawfare”.

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Naturalmente, a vitória nas urnas não é garantia de um bom governo, pois os eleitos, não raro, frustram a legítima expectativa dos eleitores. No caso de Trump, todavia, é de intuir que a experiência do primeiro mandato o auxiliará positivamente no desempenho governamental; além de já ter nomes para o primeiro escalão, a velocidade de indicação a cargos estratégicos na máquina federal terá maior assertividade de quando iniciante na mais alta posição de poder americano. Além disso, o presidente eleito terá maioria tanto no Senado, como na Câmara dos Representantes, garantindo-lhe respaldo parlamentar para a implementação de leis vinculadas ao projeto eleitoral vencedor.

No campo político interno, o triunfo de Trump impõe dura derrota ao Partido Democrático, especialmente sobre a chamada Obama view’quanto à promoção irrestrita das pautas identitárias de fragmentação da sociedade americana, contrapondo-se ao histórico sentimento patriótico de exaltação nacional. Sem cortinas, após a queda do Muro de Berlim, o socialismo perdeu a macronarrativa ocidental para o capitalismo de livre mercado; diante dos destroços da mentira soviética, a esquerda socialista adotou duas rotas de sustentação: impor, no mundo desenvolvido, o identitarismo irrefreado, visando dividir e fragilizar – via escolas, famílias e mídia – o núcleo de promoção do capitalismo estruturado, enquanto nos países em desenvolvimento a opção foi impor a ignorância coletiva com a implosão do ensino público de qualidade para aniquilar a inteligência e a cultura superior (o Brasil que o diga).

Em sua fase ascendente, o identitarismo fez multiplicar microprojetos eleitorais vencedores para o legislativo (estadual e federal), colaborando para disseminar a mensagem do Partido Democrata, especialmente durante a presidência Obama, potencializado pelo amplo apoio da mídia tradicional. O problema é que a fragmentação excessiva gerou fragilidades políticas de base aos Democratas, erodindo a mensagem estrutural, sua respectiva visão de sociedade e o próprio sentimento de nação. O erro estratégico foi prévia e brilhantemente apontado por Mark Lilla, em seu ótimo The Once and Future Liberal: After Identity Politics. Mas o desprezo a Trump acabou por ser gatilho da cegueira partidária.

Em recente pronunciamento, analisando diversos ângulos de resultado eleitoral, o prestigiado professor John H. Cochrane pontuou que a eleição de Donald Trump traduzira “a big vote against lawfare”. A advertência tem eco na realidade, sinalizando uma clara reversão de expectativas quanto ao uso indevido do processo judicial para fins políticos ordinários. Objetivamente, ao escrever, em 2001, artigo seminal sobre os desafios da segurança e militarização contemporânea, o general americano Charles J. Dunlap Jr. cunhou a expressão "lawfare" para indicar o uso indevido da lei para fins bélicos, vindo a pontuar a “evidência perturbadora de que o Estado de Direito está sendo sequestrado em outra forma de luta (lawfare), em detrimento de valores humanitários, bem como da própria legalidade”.

Em outras palavras, a irrefreada judicialização da política, além de relativizar o princípio democrático e as opções legítimas do voto popular, acabam por atrair o judiciário e, em especial, as Cortes Constitucionais para a difícil tarefa de mediar discussões intrinsecamente políticas (e não, jurídicas), as quais deveriam se exaurir soberanamente na alçada de decisão parlamentar e na consequente execução governamental das opções legislativas disponíveis. Dessa forma, no instável e delicado equilíbrio do poder atual, é de esperar que a eleição de Trump seja um ponto de inflexão à retomada da autoridade do executivo, respaldado no voto popular e no apoio político parlamentar das Casas Legislativas, com consequente contenção de febris movimentos de lawfare.

Decididamente, a nova conformação de poder americano terá induvidosa primazia presidencial, restaurando determinante núcleo de decisão política ocidental e suas intransferíveis incidências na imbricada equação geopolítica global. Entre os desafios no horizonte, está o movediço terreno de composição de interesses sobre pautas protecionistas setoriais em contraposição ao processo de integração econômica mundial, à luz do livre mercado concorrencial. Por tudo, diante das graves conturbações da circunstância, o dilema das escolhas trágicas, na expressão de Kissinger, governará os acontecimentos, cujo êxito político, para além de medidas econômicas acertadas, dependerá, em muito, da hábil gestão do risco bélico em seus vários quadrantes, inclusive nuclear.

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