Merkel diz que concentração de poder económico e político de Elon Musk é preocupante
Ex-chanceler falou à revista Der Spiegel antes da publicação das suas memórias, dizendo que o segundo mandato de Trump vai trazer “desafios sem precedentes”. “O que nos espera não vai ser fácil.”
Angela Merkel era chanceler durante o primeiro mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos. Quando este foi eleito, em 2016, a sua mensagem para o recém-eleito não foi uma mensagem típica de parabéns: incluiu os termos que esperava da cooperação entre EUA e Alemanha, “a liberdade e o respeito pelo direito e a dignidade humana, independente de origem, cor de pele, orientação sexual ou ideias políticas”.
Em vésperas da publicação da sua biografia na próxima semana (que irá estar também traduzida em português pela Objectiva), Merkel deu uma entrevista à revista Der Spiegel que passa sobre todo seu mandato de 16 anos, em que muito mudou no mundo.
Questionada sobre o que achava que este mandato de Trump terá de diferente, Merkel apontou a ligação entre o poder político e económico. “Há agora uma aliança visível entre ele e as grandes empresas de Sillicon Valley que têm poder enorme pelo capital.”
A ligação a Elon Musk, o homem mais rico do mundo, dono da Tesla, X e SpaceX, que escolhido para a liderança do futuro Departamento de Eficiência Governamental encarregada de “redefinir” o modo como os EUA são governados é vista como especialmente problemática (a proximidade com Trump levou a que se falasse de uma “broligarquia", de bros, como os homens compinchas, com oligarquia).
“Se uma pessoa como ele [Musk] detém 60% de todos os satélites em órbita no espaço, isso tem de ser uma grande preocupação para nós, juntamente com as questões políticas”, declarou. “A política tem de determinar o equilíbrio social entre os poderosos e os cidadãos comuns.”
Merkel lembrou como no início do seu mandato enfrentou a crise financeira que teve origem nos EUA (então chamada a crise do subprime), e declarou que “a esfera política foi a autoridade final que pode resolver as coisas”, com resgates e novas regulações, cita o diário britânico The Guardian a partir da entrevista com a revista alemã.
A autoridade política vai ser agora “influenciada com demasiada força pelas empresas, quer através de poder de capital ou de capacidades tecnológicas” e isto será “um desafio sem precedentes para todos nós”. “O que nos espera não vai ser fácil”, disse ainda.
Os jogos de poder de Putin
Além da entrevista à revista Der Spiegel, o semanário Die Zeit publicou excertos do livro. Tal como se esperava, Merkel conta a sua versão de alguns episódios públicos, como quando Trump se recusou a apertar-lhe a mão, ou referindo os “jogos de poder” que o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, “gostava de fazer”, como “jogos de poder com um cão ou fazer esperar os outros”, uma referência ao episódio em que Putin trouxe um labrador para um encontro com Merkel sabendo do seu medo de cães.
Depois da invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia em 2022, a atitude de Merkel em relação à Rússia foi alvo de muito questionamento (incluindo o seu apoio a um segundo gasoduto para trazer maior quantidade de gás da Rússia para a Alemanha, o Nord Stream 2) e na biografia ela fez, como esperado, uma defesa da sua atitude.
“Podíamos achar tudo isto [os comportamentos de Putin] infantis, repreensíveis, podíamos abanar a cabeça, mas isso não fazia a Rússia desaparecer do mapa”, escreveu no livro, segundo o excerto publicado, também referido no diário The New York Times.
E defendeu ainda a recusa em dar um caminho claro para entrada na NATO à Ucrânia e à Geórgia numa cimeira da NATO em 2008 em Bucareste, dizendo que não haveria qualquer maneira de proteger os dois países que, nos cinco anos que em média levaria o processo de adesão, não teriam ainda as garantias de segurança da NATO.
Mais, argumentou que o estatuto de países candidatos não “os iria proteger de uma agressão de Putin”, esse estatuto não teria sido “tão dissuasor que Putin o teria aceitado de modo passivo”.
Contou ainda que Putin lhe disse, uma vez, que sabia que ela não seria chanceler para sempre. “E então eles vão ser membros da NATO. E eu quero impedir isso.”
“Homens…”
Na entrevista com a Der Spiegel, Merkel foi ainda questionada sobre a crise que levou à queda do Governo da chamada coligação semáforo, com o Partido Social-Democrata, Os Verdes e o Partido Liberal-Democrata (o FDP fez parte de um dos quatro Governos de Merkel, que também foi marcado por conflitos, com o FDP a ser duramente penalizado nas urnas e a não conseguir, pela primeira vez na sua história, representação no Parlamento nacional).
“O que me vem à cabeça, assim espontaneamente? Homens…”, respondeu.
Mas elaborando, explicou que, na sua opinião, os governantes – os protagonistas foram Olaf Scholz, o chanceler, e Cristian Lindner, o ministro das Finanças, mas eles não são nomeados – levaram as coisas “a nível pessoal, o que se deve evitar na política”.
E também disse que os parceiros de coligação mais pequenos (referindo-se tanto aos liberais como à CSU, o partido gémeo da CDU na Baviera), “têm sempre dificuldade em manter o foco no bem comum”.