Capacitar profissionais para a solidão na idade sénior

O programa Sempre Acompanhados não só combate a solidão na terceira idade, como alerta e informa profissionais que trabalham com esta faixa etária para o flagelo da solidão não desejada.

Foto

Definir solidão pode ser complexo. É um conceito com várias facetas, ainda que no cerne esteja sempre a ausência de contacto, de sentimento de pertença ou a sensação de se estar isolado. E este isolamento não significa apenas o não estar fisicamente rodeado de pessoas. É que a solidão também se pode sentir mesmo quando nos encontramos no meio de uma multidão.

Em Portugal, cerca de meio milhão de pessoas maiores de 65 anos sofrem de solidão, segundo dados da Fundação ”la Caixa”. Um sentimento que pode ter consequências na saúde, sobretudo mental, de quem o experiencia. Combatê-lo torna-se essencial, de modo a melhorar a qualidade de vida destas pessoas, tantas vezes preteridas pela sociedade e, nalguns casos, pela própria família. Levando avante o seu compromisso com mais de 110 anos para com os seniores, a Fundação ”la Caixa”, em parceria com o BPI, implementa, em Portugal, e desde 2022, o programa Sempre Acompanhados. Actualmente, conta com o apoio da Câmara Municipal do Porto, a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. O objectivo é combater a solidão dos mais velhos, fomentando as relações de apoio e ajuda mútua dentro da comunidade.

Solidão: algo que se sente, mas não se vê

“A solidão não se vê, sente-se”. Foi com este chavão que a Fundação ”la Caixa” partiu para uma campanha de sensibilização, a fim de tornar visível uma realidade que, apesar de muitas vezes escondida, afecta vários seniores. Algo que ambas as instituições conhecem bem, depois de se debruçarem sobre o tema da solidão indesejada na terceira idade.

Estudar a solidão não é tarefa fácil, pois é necessário “interpretar aquilo que alguém está a sentir”, explica João Malva, Conselheiro Científico do Programa Sempre Acompanhados, em Portugal. “É uma temática que tem de ter em conta a história de vida, as características do indivíduo e da sua rede social — se é uma rede social mais robusta ou mais frágil, se a pessoa está em solidão por causas estritamente intrínsecas ao próprio, ou fruto da circunstância da sua rede social que se foi fragilizando”, esclarece.

E é isso que a Fundação ”la Caixa”, em colaboração com o BPI, fazem no programa Sempre Acompanhados. Nele, não só é construído um plano de intervenção personalizado, à medida de cada pessoa, como também se sensibiliza a sociedade para a importância das relações ao longo de toda a vida, com foco especial nos adultos de idade mais avançada. O programa também dedica especial atenção à formação de cuidadores que trabalham directa ou indirectamente com pessoas com risco de sofrerem de solidão não desejada.

Sempre acompanhados em Portugal e Espanha

Tudo começou em Espanha, tendo chegado a Portugal no ano passado, como projecto-piloto, revelando-se um sucesso tanto em número de participantes, como na adesão destes às diferentes sessões, partilhou João Malva. No programa Sempre Acompanhados, combatem-se as situações de solidão dos adultos de idade mais avançada, promovendo as relações de apoio, bem como reforçando as redes sociais e o sentimento de pertença à sociedade.

Tendo em conta que cada pessoa é única, foi necessário desenhar um programa de intervenção que fosse ao encontro das expectativas das pessoas. “Tem de ser um programa co-criado para que o próprio possa aderir a um plano e possa fazê-lo com vontade, de modo a, gradualmente, reconectar-se socialmente”, explica João Malva. “É preciso ir ao encontro do gosto e das expectativas das pessoas. Sabemos perfeitamente que um programa de actividades muito artificial nunca leva a uma adesão sustentada. Temos de fazer uma intervenção centrada naquilo que é o gosto de cada indivíduo”, avança.

Já no que toca à sensibilização da população e, sobretudo, de profissionais que trabalham com a idade maior, foram criados os ciclos de formação para profissionais. Trata-se de “uma série de palestras ou seminários, que são organizadas por uma equipa científica (identificada pela coordenação do programa científico em Espanha e em Portugal), para as quais se identificam peritos em temáticas relacionadas com a solidão não desejada e os seus impactos na vida das pessoas”, explica João Malva.

Os ciclos de formação para todos

Co-organizados pela direcção científica do programa em Espanha juntamente com a consultoria científica da equipa em Portugal, estes ciclos de formação têm como públicos-alvo profissionais do âmbito social, saúde e pessoas de idade maior, bem como profissionais que trabalham com pessoas em risco de solidão não desejada.

A identificação dos tópicos a abordar tem por base a sua relevância para o tema da solidão, sempre sustentados em sólido conhecimento científico "para poderem ser trabalhados com a profundidade e o rigor que a temática merece”, explica João Malva. Para a implementação do programa, os “peritos científicos são identificados pela coordenação do programa em Espanha e em Portugal, sendo professores reconhecidos na área na psicologia e da saúde — nomeadamente, nas questões relacionadas com a solidão”.

O papel dos cuidadores informais

Estima-se que, em Portugal continental, existam cerca de 15.739 pessoas ao cuidado de cuidadores informais, segundo dados da Segurança Social. Destas, cerca de 8.943 têm mais de 65 anos, a maior fatia populacional a precisar deste tipo de cuidadores. Estando o número de pessoas neste papel a aumentar, torna-se essencial dar-lhes também a formação e informação necessárias para que o desempenhem com todo o conhecimento. Uma das grandes lições que a organização da iniciativa-piloto, em Portugal, do projecto Sempre Acompanhados teve foi “de facto, o interesse muito grande em capacitar os cuidadores informais para as questões da solidão”, refere João Malva.

O conselheiro científico do programa para Portugal chama a atenção para uma problemática: a solidão do próprio cuidador. “Muitos casos de solidão resultam da solidão do cuidador, porque esteve anos a fio a cuidar de alguém, o que passou quase a ser o objectivo de vida dessa pessoa. E, de repente, aquela pessoa desapareceu, morreu, aconteceu alguma coisa, foi institucionalizada, e a pessoa que cuidou pode ficar sem rede, sem aquele objectivo de vida. Portanto, é preciso, também, ter um olhar atento para sensibilizar os próprios cuidadores para a importância de olhar para a solidão tanto na terceira pessoa, como na primeira pessoa”, colmata.

Sugerir correcção
Comentar