Profissionais fazem trabalhos de graça no INEM, diz coordenador da CT
Audição de responsáveis da comissão de trabalhadores do INEM ocorreu num clima de tensão política esta quinta-feira, na Comissão Parlamentar da Saúde.
Numa audição com momentos de tensão política, o coordenador da comissão de trabalhadores (CT) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), Rui Gonçalves, explicou esta quinta-feira, 21 de Novembro, na Comissão Parlamentar de Saúde, que há um recurso enorme às horas extraordinárias no instituto onde trabalha, mas que muitas ficam por pagar, fazendo com que haja profissionais a fazer trabalhos de graça para o instituto.
Uma troca de acusações entre o PSD e o PS marcou o início da intervenção dos deputados dos diferentes grupos parlamentares, obrigando Ana Abrunhosa, presidente da Comissão Parlamentar de Saúde, a tentar acalmar os ânimos. A social-democrata Sandra Pereira referiu-se aos ex-ministros da Saúde Marta Temido e Manuel Pizarro e ao ex-ministro das Finanças Fernando Medina como "co-responsáveis pela situação" actual do INEM. Agora, diz, "sob este Governo, o debate mudou".
Do PS, Sofia Andrade não tardou na resposta, acusando o PSD de utilizar "uma narrativa assente em inverdades". A socialista garante que o partido "nunca disse que os problemas começaram agora" e elencou uma série de medidas aplicadas pelo Governo socialista, entre as quais a do aumento da remuneração dos técnicos de emergência pré-hospitalar. Quanto ao actual executivo, Sofia Andrade sustentou que "governar não é o que este ministério tem feito", uma vez que, "com conhecimento de uma greve com 20 dias de antecedência, nada fez".
À margem do clima de tensão político, Rui Gonçalves, ele próprio técnico de emergência do INEM, falou na dependência que o instituto tem das horas extraordinárias para fazer face ao dia-a-dia, apesar de, por determinação legal, o organismo não poder pagar as horas extraordinárias em montantes que ultrapassem os 60% do salário-base. No Verão passado, o Ministério da Saúde autorizou que, durante alguns meses, o limite subisse para 80%, de forma a incentivar a realização de horas extras numa altura típica de férias. "Só no mês de Setembro, foram contabilizadas 28 mil horas extras, mas neste número não estão contabilizados milhares de horas feitas pelos técnicos acima do limite dos 60% ou 80% [do salário-base]", precisou Rui Gonçalves.
O coordenador da CT do INEM denuncia o desinvestimento que se sente no instituto há uma década, lamentando a falta de recursos humanos em todas as carreiras, dos técnicos de emergência até aos médicos, e a falta de atractividade das respectivas carreiras. “Com o que ganham, é praticamente impossível reter técnicos de emergência. Também os médicos sem acesso à dedicação plena ficam num vazio”, referiu Rui Gonçalves. O coordenador da CT realçou também a falta de investimento material no instituto, nomeadamente nas viaturas médicas de emergência e reanimação, e o desinvestimento nas novas tecnologias, o que não permite fazer o INEM evoluir.
Sobre a chamada "refundação" do instituto prometida pela ministra da Saúde, Rui Gonçalves disse não saber o que tal significa, mas disse esperar que represente um regresso às fundações do INEM, onde está previsto atingir autonomia administrativa e financeira.
"Ao longo dos últimos anos, foram subtraídos 135 milhões ao orçamento do INEM, o que equivale a um ano inteiro de orçamento", constatou Rui Gonçalves, que falou ainda na dificuldade em recrutar quadros para a área de Lisboa face ao elevado preço da habitação, o que acaba por levar os trabalhadores a abandonar os seus lugares. "São problemas que precisam de soluções", afirmou.
A deputada Sandra Pereira, do PSD, conclui que "fica claro que há, de facto, um desinvestimento crónico no INEM" e que, caso não tivessem sido desviados 135 milhões de euros, o instituto "seria muito melhor do que é actualmente". A socialista Sofia Andrade reagiu pouco depois, considerando que a verba de 135 milhões foi utilizada para "combater uma altura extraordinária da nossa vida", referindo-se à pandemia. Entende, por isso, que este argumento está a ser utilizado com "má-fé".
Mário Amorim Lopes, da Iniciativa Liberal (IL), respondeu à deputada socialista dizendo que "a pandemia não pode servir para tudo" e que "a missão do INEM não é atender a problemas de saúde pública". As afirmações do deputado foram bastante contestadas pelos deputados socialistas, que tinham os microfones desligados. "Com esta nota de que as pandemias não são urgências nem emergências médicas, não tenho nenhuma questão a acrescentar", reagiu, por seu lado, Marisa Matias, do Bloco de Esquerda.
Tentando responder às dúvidas dos deputados, Rui Gonçalves considerou que o sistema de emergência está bem estruturado, apenas necessitando de um reforço de recursos humanos e materiais. No entanto, admitiu que o instituto está a assegurar serviços que não fazem parte das suas funções. Nesse âmbito, Rui Gonçalves criticou o uso que algumas unidades de saúde fazem do instituto para transportar doentes entre hospitais, evitando, desta forma, contratar estes serviços a outras entidades. "É muito fácil ligar para o CODU [Centro de Orientação de Doentes Urgentes] e pedir o transporte. Mas isso faz com que os meios fiquem horas sem poder responder a situações de verdadeiro socorro", destacou.
O coordenador da CT do INEM lamentou que o instituto esteja "desligado da rede de urgências", o que faz com que, por vezes, quando os seus profissionais chegam a um hospital, tenham de se sujeitar à triagem como qualquer outro utente. "Em alguns hospitais até temos de tirar uma senha para fazer a triagem", exemplificou. Tal faz com que muitas vezes a passagem dos doentes das ambulâncias do INEM para as urgências hospitalares se prolongue, ficando esses meios, nesse período, indisponíveis para responder a outras situações de socorro.