Brasil e Argentina fecham acordo sobre gás antes de Milei assinar declaração do G20
A decisão do Presidente argentino de subscrever, ainda que com reservas, a declaração do Rio só foi conhecida depois de assinado o contrato de fornecimento de gás ao Brasil
Não há almoços grátis e nada como uma cimeira para fechar negócios. A estranha convergência entre o Brasil e a Argentina durante o G20 coincidiu, afinal, com a assinatura de um acordo comercial entre os dois países para a importação de gás natural por Brasília ao complexo argentino da Vaca Muerta.
O memorando de entendimento entre o ministro brasileiro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e o seu homólogo argentino foi assinado durante a tarde de segunda-feira, horas antes de Javier Milei desfazer o tabu e aceitar assinar a declaração final do G20, ainda que manifestando a sua discordância com praticamente toda a Agenda 2030, ou seja, os objectivos de desenvolvimento sustentável da ONU, que vão da erradicação da fome à igualdade de género.
A estimativa é de que o Brasil compre dois milhões de metros cúbicos por dia no curto prazo, aumentando, nos próximos três anos, para 10 milhões, até atingir 30 milhões em 2030. "Ao concretizar a importação do gás de Vaca Muerta, estamos a fortalecer o desenvolvimento das indústrias de fertilizantes, vidro, cerâmica, petroquímicos e tantas outras que trazem desenvolvimento económico ao Brasil. Teremos mais gás e, junto com ele, mais emprego, renda e riqueza para brasileiras e brasileiros", afirmou Alexandre Silveira.
A aposta no gás natural, uma fonte de energia não renovável e poluente, está em linha contrária à aposta de Lula da Silva no combate às alterações climáticas que ficou expressa desta forma na declaração do G20: “Reconhecendo que a totalidade dos nossos esforços será mais poderosa do que a soma das suas partes, nós cooperaremos e uniremos esforços para uma mobilização global contra as alterações climáticas.”
O documento evita um pedido expresso para o abandono dos combustíveis fósseis, que tinha a firme oposição de Milei. E o memorando sobre o fornecimento de gás poderá ter facilitado a decisão da Argentina de não bloquear a vitória diplomática de Lula no G20. “A Argentina faz mais discursos do que gestos. Existe um discurso e uma realidade. No mundo real, é uma questão de sobrevivência. Outro dia faltou gás numa cidade argentina e nós suprimos", disse Alexandre Silveira na conferência de imprensa após a assinatura do contrato, citado pela revista brasileira Exame.
Ao fim dessa mesma tarde, o Governo argentino divulgou um comunicado final em que se comprometia a não bloquear a declaração final, embora com uma espécie de declaração de voto. "Sem ser obstáculo para a declaração dos demais líderes, o Presidente Javier Milei deixou claro na sua participação no G20 que não acompanha vários pontos da declaração, entre eles: a promoção da limitação da liberdade de expressão em redes sociais, o esquema de imposição e vulnerabilidade da soberania das instituições de governança global, o tratamento desigual ante a lei e especialmente a noção de que uma maior intervenção estatal é a forma de lutar contra a fome", diz o comunicado. Sobre desenvolvimento sustentável, nem uma palavra.