Como se constrói o corpo humano? O atlas das células humanas tem novos avanços

Milhares de cientistas contribuíram para mapear o desenvolvimento do esqueleto no primeiro trimestre de gravidez. Este atlas das células humanas é um guia para aprendermos como se constrói o corpo.

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O Atlas das Células Humanas permite compreender melhor como se constroem os diferentes órgãos e tecidos do corpo humano Anna Hupalowska/Aviv Regev
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Uma equipa de cientistas revelou esta quarta-feira o primeiro mapa do desenvolvimento do esqueleto humano, à medida que avançam em direcção ao objectivo de completar um atlas biológico de cada tipo de célula do corpo humano, para melhor compreender a saúde humana, bem como diagnosticar e tratar doenças.

O trabalho faz parte do projecto em curso “Atlas das Células Humanas”, iniciado em 2016 e que envolve investigadores de todo o mundo. O corpo humano é composto por cerca de 37 biliões de células, sendo que cada tipo de célula tem uma função única.

Os mais de 3600 investigadores envolvidos pretendem ter uma primeira versão do atlas pronta até daqui a dois anos. Aviv Regev, fundador do projecto e actualmente vice-presidente executivo e director de investigação da empresa norte-americana de biotecnologia Genentech, afirmou que o trabalho é importante a dois níveis: “Antes de mais, é a nossa curiosidade humana básica. Queremos saber de que é que somos feitos. Penso que os seres humanos sempre quiseram saber de que são feitos. E, de facto, os biólogos têm vindo a mapear células desde 1600 por essa razão”, refere Aviv Regev. “A segunda razão, muito pragmática, é que isto é essencial para compreendermos e tratarmos as doenças. As células são a unidade básica da vida e quando as coisas correm mal, correm mal com as nossas células.”

Os tecidos humanos do pulmão em desenvolvimento Nathan Richoz/Universidade de Cambridge
O tecido do intestino humano na doença inflamatória intestinal mostrando a presença de glândulas epiteliais metaplásicas A. Oliver, N. Huang, R. Li, et al. (2024)
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Os tecidos humanos do pulmão em desenvolvimento Nathan Richoz/Universidade de Cambridge

Os investigadores mapearam o desenvolvimento do esqueleto no primeiro trimestre de gravidez, o que lhes permitiu descrever todas as células, redes de genes e interacções envolvidas no crescimento ósseo durante as primeiras fases do desenvolvimento humano.

Através destes estudos, mostraram como a cartilagem actua como um apoio para o desenvolvimento ósseo em todo o esqueleto, com excepção da parte superior do crânio. Os cientistas mapearam todas as células críticas para a formação do crânio e examinaram como as mutações genéticas podem fazer com que os pontos moles do crânio de um recém-nascido se fundam demasiado cedo, limitando o crescimento do cérebro em desenvolvimento.

Segundo os investigadores, o conhecimento destas células pode ser utilizado como alvo de diagnóstico e tratamento, ou seja para identificar e tratar doenças congénitas. As equipas do “Atlas das Células Humanas” descobriram também que certos genes activados nas células ósseas iniciais podem estar associados a um risco acrescido de desenvolver artrite da anca na idade adulta. Os resultados foram publicados na revista Nature e nas revistas afiliadas Nature Portfolio.

Como se constrói o corpo

Os investigadores apresentaram também o atlas do trato gastrointestinal, que abrange desde os tecidos da boca até ao esófago, estômago, intestinos e cólon, onde identificaram um tipo de célula intestinal que pode estar envolvido na inflamação – potencialmente esclarecedora sobre patologias como a doença de Crohn e a colite ulcerosa. Além disso, também desdobraram o atlas do timo humano em desenvolvimento, um órgão que treina as células imunitárias para nos proteger contra infecções e cancro.

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O intestino delgado na sua fase de desenvolvimento com as suas células realçadas Grace Burgin, Noga Rogel e Moshe Biton, Klarman/Cell Observatory

“Embora o foco principal tenha sido o mapeamento das células do corpo humano saudável, o projecto já contribuiu com conhecimentos valiosos sobre doenças como o cancro, a covid-19, a fibrose cística e doenças que afectam o coração, os pulmões e os intestinos, entre outras”, afirmou Alexandra-Chloe Villani, do Hospital Geral do Massachusetts e do Instituto de Tecnologia do Massachusetts​ (Estados Unidos).

A investigação utiliza novos dados e ferramentas analíticas, algumas baseadas na inteligência artificial e na aprendizagem automática. Os dados do “Atlas das Células Humanas” permitem aos cientistas “treinar modelos de base, como um ChatGPT para células, que nos ajudam a anotar novas células ou a procurar uma nova célula entre as dezenas de milhões de perfis”, disse Sarah Teichmann, do Instituto de Células Estaminais da Universidade de Cambridge (Reino Unido).

“Estes modelos ajudam-nos a estabelecer ligações inesperadas, por exemplo, entre células observadas em doenças pulmonares fibróticas e em tumores do pâncreas”, sublinhou ainda Sarah Teichmann. A compreensão da complexidade anatómica humana ao nível celular tem sido um desafio.

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Imagem de um timo humano em desenvolvimento com as diferentes células agrupadas por cores AndreaRadtke/NIH

“Fundamentalmente, estes estudos dizem-nos como são construídos os tecidos, os órgãos e os seres humanos”, afirmou Muzlifah Haniffa, do Instituto Wellcome Sanger e da Universidade de Newcastle (Reino Unido).

“Compreender o desenvolvimento humano é fundamental para entender as perturbações do desenvolvimento, as perturbações da infância que têm um início pré-natal, bem como as doenças que também afectam os adultos, uma vez que as vias de desenvolvimento podem reaparecer em doenças posteriores à vida”, acrescenta Muzlifah Haniffa. “As aplicações clínicas incluem novos diagnósticos, a gestão clínica e estratégias terapêuticas.”

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