As velocidades máximas do vento geradas por 84% dos furacões ocorridos na costa atlântica, entre 2019 e 2023, subiram, em média, 29 quilómetros por hora devido à crise climática, revela um estudo científico publicado esta quarta-feira na revista Environment Reserach Climate. O artigo sugere que estes fenómenos extremos estão, em média, a subir uma categoria na escala Saffir-Simpson, que estima o risco aumentado de prejuízos e inundações.
“Nos últimos anos, o comportamento dos furacões alterou-se de forma significativa no Atlântico. Mais tempestades estão a sofrer uma rápida intensificação e uma maior proporção de tempestades está a transformar-se em grandes furacões. Este estudo ajuda a explicar o que está na origem destas alterações e, mais importante, em que medida a actividade humana contribuiu para isso. A nossa análise demonstra que as alterações climáticas estão, actualmente, a agravar de forma consistente todas as épocas de furacões”, afirma ao PÚBLICO Daniel Gilford, primeiro autor do estudo e cientista da Climate Central.
O estudo identificou três tempestades atlânticas que se transformaram em furacões tropicais de categoria 5 na escala Saffir-Simpson devido à crise climática: Lorenzo (2019), Ian (2022) e Lee (2023).
O que é a escala Saffir-Simpson?
A escala Saffir-Simpson mede a intensidade dos ventos dos furacões, podendo variar entre a categoria um (a mais baixa) e a cinco (a mais alta). Este instrumento permite avaliar o risco potencial de prejuízos e inundações durante a passagem de um furacão. Cada categoria é estimada em função da velocidade sustentada do vento durante um minuto.
Os furacões com ventos superiores a 250 quilómetros por hora, por exemplo, estão classificados no nível máximo da escala Saffir-Simpson (categoria cinco), causando muito provavelmente a destruição de telhados de casas, o desenraizamento de árvores e a ocorrência de grandes cheias. Durante esse tipo de fenómeno, a recomendação é a retirada de todos os habitantes num raio de até 16 quilómetros.
A cientista climática Friederike Otto, que lidera a iniciativa internacional World Weather Attribution (WWA), acredita que talvez esteja na hora de pensarmos numa categoria superior a cinco, tamanho é o poder destrutivo dos furacões alimentados pelas alterações climáticas. Esta mudança poderia ser útil para comunicar às populações que algo mudou em relação ao passado, refere a investigadora do Imperial College London, no Reino Unido.
“O que teria sido uma categoria 4 é agora um furacão de categoria 5, o que faz uma enorme diferença. E penso que isso também pode fazer uma enorme diferença na forma como comunicamos o impacto das alterações climáticas, porque, como vimos tragicamente este ano, morrem pessoas e o número de vítimas é enorme”, afirmou Otto numa conferência de imprensa virtual organizada pelo Climate Central.
Friederike Otto sublinha que a nova metodologia desenvolvida por Daniel Gilford e colegas permitirá calcular com maior precisão o papel das emissões antropogénicas no aumento da intensidade dos furacões tropicais. Em causa está a comparação entre o que seria a velocidade de um furacão há um século e o que estamos a testemunhar hoje, numa atmosfera repleta de gases com efeito de estufa produzidos pela Humanidade. Até agora, os modelos disponíveis concentravam-se sobretudo na precipitação – e não na velocidade dos ventos.
John Morales, meteorologista do canal norte-americano NBC 6 South Florida, também acredita que é fundamental haver estudos de atribuição como o de Daniel Gilford, por forma a contextualizar a informação sobre o estado do tempo comunicada na televisão.
“Se somos comunicadores do clima, este é nosso objectivo: tentar fazer com que as pessoas interiorizem a ameaça para que a possam personalizar e perceber que a sua família está em perigo. E, assim, quando sentirem que é pessoal para elas, para os seus filhos, é nessa altura que se sentirão inclinadas a exigir acção em relação ao clima”, afirmou Morales na conferência de imprensa virtual.
O apresentador do boletim meteorológico na NBC 6 South Florida tornou-se mundialmente famoso, em Outubro, quando se emocionou ao descrever a intensidade do furacão Milton.
“Daniel Gilford, Joseph Giguere e Andrew Pershing apresentam neste excelente artigo um novo modelo impressionante. Utiliza o conceito bem conhecido e testado de intensidade potencial máxima dos furacões e combina-o com a influência das alterações climáticas nas temperaturas da superfície do mar. Este trabalho original e exaustivo oferece-nos agora uma via para a rápida atribuição da intensidade dos furacões às alterações climáticas”, defendeu Ralf Toumi, co-director do Instituto Grantham do Imperial College London, citado numa nota de imprensa.
Como foi feito o estudo?
Através de uma combinação de modelos e observações de fenómenos, os cientistas compararam as temperaturas do oceano tal como o conhecemos hoje – ou seja, sobreaquecido – com o que esses valores poderiam ter sido num mundo sem alterações climáticas.
“Essa diferença de temperatura é fundamental para os furacões, que actuam como motores térmicos, utilizando o calor do oceano como combustível para girar mais depressa e produzir ventos mais fortes. Medir a quantidade desse combustível adicionado pelas alterações climáticas para cada tempestade permite-nos avaliar a forma como as intensidades dos furacões responderam à poluição por carbono”, afirma ao PÚBLICO Daniel Gilford.
Os 30 furacões analisados no estudo atingiram intensidades classificáveis em média numa categoria superior na escala Saffir-Simpson, em comparação com a força esperada num ambiente sem a influência das alterações climáticas causadas pela queima de combustíveis fósseis desde a era industrial. Todos estes fenómenos extremos foram intensificados devido ao facto de actualmente as temperaturas da superfície do mar estarem mais quentes.
“Os furacões estão a ficar mais fortes em cerca de uma categoria (em média) devido às alterações climáticas, sobretudo porque os seres humanos queimaram combustíveis fósseis. E, agora, conseguimos medir e comunicar rapidamente o grau de contribuição da actividade humana para a força de cada tempestade”, resume Daniel Gilford, co-autor da nova metodologia.
Os cientistas aplicaram a mesma metodologia para a época de furacões deste ano e perceberam que todos esses fenómenos de 2024 foram mais fortes do que teriam sido há um século. As conclusões também foram divulgadas esta quarta-feira pela Climate Central, num relatório que indica que as velocidades máximas dos ventos dos 11 furacões registados de Janeiro até agora aumentaram entre 14,5 e 45 quilómetros por hora. O culpado é o mesmo: o aumento das temperaturas da superfície do mar.
Daniel Gilford explica que esse exercício para o ano de 2024 trouxe duas surpresas: “Descobrimos que nenhuma tempestade deste ano se teria tornado um furacão de categoria cinco sem a influência das alterações climáticas – o Beryl e o Milton atingiram a categoria cinco devido a temperaturas oceânicas recordes que seriam praticamente impossíveis sem o aquecimento global. Por outro lado, a nossa análise concluiu que o Rafael – impulsionado por águas superficiais excepcionalmente quentes para se tornar numa rara tempestade de categoria três em Novembro – teria continuado a ser um furacão menos potente de categoria um sem a influência das alterações climáticas causadas pela Humanidade.”
O estudo centrou-se nas tempestades da bacia atlântica, mas o modelo de atribuição rápida publicado na revista Environment Reserach Climate pode ser utilizado para analisar ciclones tropicais em todo o planeta.