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O Gabinete do Ódio
Os nomes até agora escalados pelo presidente eleito dos EUA, Donald Trump, para compor seu ministério têm semelhanças com o Gabinete do Ódio que prevaleceu no governo de Jair Bolsonaro, no Brasil.
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A boa notícia: pela primeira vez na história dos Estados Unidos, uma mulher foi escolhida como chefe do gabinete presidencial na Casa Branca. A má noticia: a mulher, Susie Wiles, é uma conservadora de quatro costados. Há cerca de quatro décadas, trabalha para eleger republicanos em todo espectro ideológico. A pior notícia: os nomes até agora escalados pelo presidente eleito, Donald Trump, para compor seu ministério. Está montado o Gabinete do Ódio, como havia no governo de Jair Bolsonaro, no Brasil.
A mais assustadora das escolhas foi a da dupla de milionários Elon Musk e Vivek Ramaswamy para cuidar do ainda inexistente “Departamento de Eficiência do Governo”. Dois lobos para tomar conta do galinheiro. Matt Gaetz, investigado pelo Comitê de Ética da Câmara por tráfico sexual e uso de drogas — e acusado de promover um campeonato de sexo entre legisladores —, será ministro da Justiça.
A governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, cuja proeza mais conhecida foi executar, com um tiro à queima-roupa, o cão Cricket, de 14 meses, porque ele não aprendia a caçar, e que ela confessa odiar em seu livro No Going Back..., chefiará o Departamento de Segurança Interna, composto por mais de 20 agências federais para executar operações de deportação.
As péssimas notícias não param por aí. Negacionista feroz da eficácia das vacinas contra a Covid-19, diagnosticado com doenças nas cordas vocais, que torna sua fala funesta, além da sua auto-declarada compulsão por sexo, Robert Kennedy Jr. ocupará o Ministério da Saúde. E o ex-governador do Arkansas, Mike Huckabee, que nega a existência da Palestina e da Cisjordânia, chefiará a embaixada norte-americana em Jerusalém, onde poderá confraternizar com seu igual, Benjamin Netanyahu.
Na sua obra O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, Karl Marx lembra de ter Hegel afirmado que os grandes fatos e personagens se repetem duas vezes na história. Posteriormente, ele acrescentou que a primeira ocorre como tragédia: quando Napoleão Bonaparte impôs um Estado forte, imperial e expansionista a serviço da burguesia. A segunda, como farsa, quando Luís Bonaparte, com um golpe de Estado, assumiu o governo como o Imperador Napoleão III.
No seu primeiro mandato, Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, revogando as proteções ambientais. Sem conseguir acabar com o “Obamacare”, reduziu o tempo pelo qual as pessoas podem utilizar planos de saúde de curto prazo. Vendeu 110 bilhões de dólares em armas para a Arábia Saudita e retirou os EUA do acordo nuclear com o Irã, entre outros feitos perigosos.
Trump já demonstrou intenções de aprimorar investidas contra a democracia. Seu segundo mandato será uma farsa mais elaborada dos disparates feitos no primeiro. A julgar pelos nomes escolhidos para assessorá-lo, haverá uma explosão de perseguições, vinganças e ódios ressentidos, acumulados durante o tempo em que o agora presidente eleito esteve fora do poder.
Considerado um dos maiores especialistas do mundo em discursos e crimes de ódio, extremismos online e cibercrime, o professor de criminologia Matthew Williams, da Universidade de Cardiff, capital do País de Gales, é autor do livro A Ciência do Ódio, em que analisa a origem e a natureza desses delitos.
De forma simples e didática, o professor galês possibilita a todos identificarem o lado terrível do comportamento humano e a lutar contra esse fenômeno. Com base em anos de pesquisas, experiências e estudos, ele explica como o ódio pelo outro começa e se avoluma, a ponto de atingir níveis criminosos.
Olhar para uma das características da sua origem — o preconceito, segundo Matthew William — deve ser o ponto de partida. Se compreendermos a natureza desse sintoma, talvez possamos entender tudo o que faz de nós aquilo que somos. O preconceito não é exclusivo de nenhum grupo. Todos trazemos em nós as bases do preconceito e do ódio. Mas sua eclosão não é inevitável. Podemos travá-lo, dependendo do que nos foi transmitido, ou suprimi-lo, o que exige luta permanente, como os democratas precisam desenvolver a partir de 20 de janeiro de 2025.
Aprende-se o preconceito. Sua formação depende de condições exteriores, que variam desde crises de todo o tipo, passando por influências, transmissão de valores negativos e falta de convivência com diferentes grupos. Inicia-se com a socialização da criança que, nessa altura, é programada para favorecer ou desfavorecer o outro por causa do grupo a que pertence. O cérebro absorve como uma esponja o que lhe é ensinado. É geralmente na adolescência que se internalizam ideias danosas que podem degenerar em atos criminosos. Os democratas devem se preparar para o que virá.