Um 25 para mim, outro para ti

No dia 25 de novembro de 2024, a Assembleia da República reunir-se-á para comemorar, pela primeira vez, os quarenta e nove anos volvidos dos acontecimentos desse mesmo dia, em 1975. Mas porquê?

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Sessão solene do 25 de Novembro terá honras militares e hino nacional Enric Vives-Rubio
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Apesar do pioneirismo desta sessão no quadro parlamentar português, a vontade da sua convocação não é novidade alguma – há muito que é proposta pelo CDS-PP, sendo recentemente impulsionada pelos ânimos da recém-chegada direita à Assembleia, o CHEGA e a Iniciativa Liberal. O único entrave parlamentar face a esta iniciativa vinha, até à data, do PPD/PSD, cuja posição se tem vindo a alterar nos últimos tempos, culminando no seu aval directo à realização desta Sessão Evocativa em Junho deste ano. Mas qual o motivo de celebração a 25 de Novembro? Vejamos, então, e de um modo sucinto, o que nos diz a História.

Antes de mais, é essencial compreender o contexto histórico em que se desenrolam as movimentações militares deste período. Sabe-se amplamente que o período revolucionário que sucedeu ao golpe militar de 25 de Abril foi marcado por uma grande instabilidade social e económica, acompanhada de uma acentuada radicalização política, que atingiu o seu auge em 1975, especialmente durante o chamado “Verão Quente”.

No seio das próprias forças armadas, em particular no MFA, coabitavam diversas facções em confronto, destacando-se os “moderados” (representados pelo Grupo dos Nove, liderado por Melo Antunes) e os “revolucionários” (defensores de uma Revolução Socialista, afectos ao PCP e a outras correntes de Poder Popular). Este contexto frágil, com risco de uma guerra civil, levou ambos os grupos a executar manobras políticas para diminuir a influência dos adversários, tanto no MFA como nas estruturas de poder civil.

Neste cenário político, com o governo em greve, no dia 25 de Novembro, tropas pára-quedistas iniciam uma acção militar para controlar pontos estratégicos em Lisboa, numa tentativa de golpe de Estado em prol de uma revolução socialista. Esse "aventureirismo revolucionário", carente de uma liderança definida, configurou-se como uma oportunidade ideal para o campo "moderado", que já possuía um plano de contragolpe preparado para restaurar, pela força, a ordem hierárquica nas forças armadas.

Com o aval do Presidente Costa Gomes, o contragolpe foi liderado, no terreno, por figuras como Ramalho Eanes e Jaime Neves. A mobilização da extrema-esquerda militar não contou com o apoio de Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, nem de Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP, contrariando a versão revisionista conservadora de que os pára-quedistas agiram sob ordens comunistas.

O PCP desmobilizou as suas forças, numa tentativa de controlar a Revolução de forma pactuada, encetada por Cunhal, procurando evitar a todo custo um conflito interno e assegurar a continuidade da influência comunista na política portuguesa. Durante as operações militares, o PS teve também um papel importante, contribuindo decisivamente na frente civil.

Perante isto, porque deseja a direita parlamentar comemorar solenemente esta data? Será que pretende homenagear Costa Gomes, Melo Antunes, Mário Soares ou Álvaro Cunhal? Não parece que seja esse o caso. Esta iniciativa procura, sim, celebrar uma visão mitificada e, de certo modo, distorcida dos eventos, com pouco ou nenhum sustento historiográfico, que visa culpabilizar o PCP pelas acções da extrema-esquerda militar no 25 de Novembro — uma ideia semelhante àquela que a direita reaccionária também procurou difundir na época. Numa manobra retórica inusitada, é associado o perigo do extremismo e da radicalização a uma esquerda enfraquecida, num momento em que a extrema-direita cresce e ganha força pela Europa e no mundo ocidental — note-se a recente vitória de Trump nos EUA, que vem legitimar estes movimentos extremistas. Esta postura é incorreta não apenas por falta de rigor histórico, mas também face ao cenário político actual.

É indiscutível o papel de extrema importância que o 25 de Novembro assume na consolidação do pluralismo democrático português, e é certo que a data merece o reconhecimento histórico que lhe é devido. Contudo, os moldes em que actualmente é proposta a celebração da sua memória destoam com a realidade dos acontecimentos, podendo ser encarada como uma tentativa de equiparação desta data ao 25 de Abril de 1974, momento-chave que permitiu a libertação do povo português das correntes da ditadura fascista. Esta perigosa deturpação consagra, também, outro fenómeno de raiz polarizadora: dois marcos diferentes para a fundação da democracia no espectro político — dois vinte-cincos, um para a esquerda, em Abril, e outro para a direita, em Novembro.

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