Líderes religiosos dizem “não” aos combustíveis fósseis e “sim” à vida
Na passada semana, 27 instituições cristãs anunciaram o seu compromisso em desinvestir dos combustíveis fósseis. O seu compromisso com a proteção de todas as formas de vida contrasta fortemente com a falta de progresso nas negociações climáticas da ONU atualmente em curso.
As instituições que anunciaram abandonar os combustíveis fósseis são originárias de vários países europeus, assim como de outros países do Norte Global, e são de origem tanto católica como protestante. Apesar das suas diferenças, estas instituições estão unidas no desinvestimento dos combustíveis fósseis, pois esta é uma forma concreta de agir com base em valores comuns.
Os combustíveis fósseis são a principal causa das alterações climáticas, o que por sua vez aumenta o risco de fome, doenças e migração forçada. A Organização Mundial da Saúde estima que 250 mil pessoas morrem todos os anos devido às consequências das alterações climáticas. Cada uma destas mortes é uma tragédia que poderia ter sido evitada se a humanidade tivesse parado de queimar combustíveis fósseis.
Na sua inovadora encíclica sobre as alterações climáticas e ecologia, Laudato Si’, o Papa Francisco convida a ver e compreender a crise planetária como um reflexo da nossa crise social. O nosso fracasso no cuidado do planeta é também resultante do fracasso no cuidado das mulheres e homens que partilham uma casa comum. Como disse o Papa Francisco, “tudo está interligado” e “exige-se uma preocupação com o ambiente, unida ao amor sincero pelos seres humanos e a um compromisso constante com os problemas da sociedade.”
Ainda é possível cuidar melhor uns dos outros e da nossa casa comum. Se reduzirmos a poluição por gases com efeito de estufa em aproximadamente 50% até 2030, evitaremos o sofrimento humano numa escala quase inimaginável. Alcançar este objetivo é um enorme desafio e requer coragem e empenho.
A ação por parte destas 27 instituições cristãs demonstra essa coragem e compromisso. Desinvestir dos combustíveis fósseis é uma decisão organizacional que as instituições tomam após muita ponderação e reflexão. Implica não apenas compreender as razões éticas por detrás da decisão, mas também questões muito práticas como a necessidade de explorar novas áreas de investimento ou decidir em que bancos ter os seus investimentos e depósitos.
Não é uma decisão que se tome de ânimo leve. Estas instituições abandonam os combustíveis fósseis não porque seja fácil, mas porque é justo, porque se recusam em participar na destruição intencional de vidas. Este é um gesto concreto em prol da sustentabilidade, assim como um gesto profético, que esperamos num futuro breve possa vir a ser também seguido por mais instituições cristãs em Portugal.
Seria fundamental que os países representados nas negociações climáticas da COP29, em Bacu, tivessem também essa consciência, mas não há expectativas de que as conversações atualmente em curso tragam as decisões urgentes e ambiciosas necessárias à redução da poluição por gases com efeito de estufa, redução necessária para proteger todos os seres vivos.
Em vez disso, a conferência passou a ser uma vitrina para os combustíveis fósseis. Um dos anfitriões da COP29 foi recentemente filmado a tentar usar a conferência como uma oportunidade para vender o gás do seu país. A OPEP tem um pavilhão na conferência onde os produtores de petróleo vão debater o “papel do petróleo no acesso à energia sustentável”. Os lobistas dos combustíveis fósseis estão presentes em grande número, com o propósito de influenciar os resultados da discussão.
A falta de sentido de urgência é evidente para todos. Chefes de Estado da União Europeia e do Brasil optaram por não comparecer na conferência. Ao mesmo tempo, a eleição de Donald Trump nos EUA deixou a sua oposição ao progresso climático muito clara, lançando uma sombra sobre o futuro das negociações.
Em suma, espera-se que a COP29 seja amplamente ameaçada pela incerteza e a falta de progressos importantes. O contraste com os líderes religiosos que se esforçaram para tomar medidas decisivas em conjunto não poderia ser mais forte.
As lideranças religiosas dizem “não” aos combustíveis fósseis e “sim” à vida. E os decisores políticos devem juntar-se a elas.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico