Do relvado para o mar: Fábio Coentrão joga agora com crianças na defesa do oceano
O antigo futebolista e agora pescador conversou com crianças em Matosinhos sobre a importância da pesca sustentável. O Dia Nacional do Mar assinala-se este sábado.
O cheiro a peixe característico da Docapesca de Matosinhos não parece incomodar as crianças. Quando lhes perguntamos o que querem ser quando forem grandes, o pequeno Ricardo, acanhado no seu colete salva-vidas, quase maior que ele mesmo, responde com um sorriso de orelha a orelha: "Quero ser pescador!" Conta-nos que o seu pai também é pescador e que gosta de ir à pesca com ele, mas hoje vai conhecer um novo parceiro nesta actividade: o antigo futebolista Fábio Coentrão. Neste dia de sol, o caminho até ao barco de Fábio Coentrão, o Cidade Celestial, demorou cerca de cinco minutos. Estava atracado mesmo em frente aos miúdos, que já não viam a hora de o conhecer.
Foi na terça-feira que a turma do 4.º ano da Escola Básica do Godinho, em Matosinhos, se juntou na Docapesca para conversar com Fábio Coentrão sobre pesca sustentável e a necessidade de cuidarmos do nosso mar. Apesar de estar aposentado do futebol há quatros anos, todos os miúdos o conheciam. Estavam em "pulgas" para lhe fazer todas as perguntas do mundo sobre peixe. Um deles até trazia uma pequena camisola branca da selecção portuguesa para autografar.
Assim que o encontraram, começou a chuva de perguntas curiosas. "Qual foi o peixe mais pequeno que pescaste? Quantos peixes já pescaste? Já foste muito lá para o fundo [do mar]?", ouvia-se do pequeno grupo de gorros azuis em redor do ex-futebolista. Ordeiramente, um a um, colocavam o braço no ar. "Vocês só querem saber dos peixes pequeninos", comentava o antigo futebolista, entre risos.
"Não se pode apanhar [os peixes pequenos]. Nós apanhamos, mas devolvemo-los ao mar para eles crescerem e reproduzirem", explicava o antigo jogador, natural de Vila do Conde. "O teu pai é pescador? Dá para perceber", afirmou, entre sorrisos, ao pequeno Ricardo, que tentava perceber porque é que não se pode pescar os peixes mais pequenos. Na sua frente, Mariana, com o seu casaco cor-de-rosa e a mala do Stitch, também não se acanhava nas perguntas. "Tu deves ser uma excelente aluna!", dizia o agora pescador e armador.
E continuava a conversa, recuperando memórias: "O peixe mais pequeno que pesquei... Não sei. Talvez a sardinha bebé. Nós chamamos petinga, que é assim", e mostrava com os dedos o quão pequenina era. Num acto inocente e singelo, as crianças começaram a repetir o gesto, o que provocou algumas risadas.
Rodrigo Sengo, responsável da Marine Stewardship Council (MSC), organizadora da sessão, explicava às crianças que, tal como no futebol, a pesca era um trabalho em equipa. "Os pescadores que cumprirem as regras vão ser premiados com o selo azul. Quando vocês vêem o selo azul num peixe, esse pescador seguiu as regras que estão definidas. Assim, vocês sabem que aquele peixe foi pescado de forma amiga do ambiente. Nós aqui, tal como no mundo do futebol, somos todos uma equipa e queremos remar todos para o mesmo lado. É como se estivéssemos todos dentro daquele barco", e apontou para o Cidade Celestial, fazendo com que todos os mais pequenos girassem as cabeças para observar a embarcação. Para eles, um mundo totalmente diferente.
"O nosso objectivo é que rememos todos para o mesmo lado e que consigamos a preservação dos oceanos", comentava o responsável, ao lado de Fábio Coentrão, às crianças que o ouviam atentamente.
"Todos a bordo!"
A professora Marta, juntamente com outra professora, organizavam as crianças em dois grupos para ir visitar o barco do antigo futebolista. A ansiedade era palpável: os mais pequenos estavam irrequietos, enérgicos, todos queriam ir ver o barco por dentro. Cantavam, dançavam, brincavam no compasso de espera para o momento mais aguardado do dia.
"Aprendi que a pesca sustentável é para proteger os animais marinhos e que todos os pescadores estão a lutar pelo mar, pelos animais marinhos", resumia Ricardo sobre o que tinha aprendido hoje. O seu colega Tiago, mesmo ao lado, concordava: "Não devemos pescar peixes com menor tamanho e devemos sempre pescar peixes com o maior tamanho."
Tiago tinha acabado de regressar de dentro do barco com o primeiro grupo. Estava tão nervoso que começou a gaguejar. Mas depressa arranjou forças para contar o quanto gostava de Fábio Coentrão e como esperava chegar a casa com um autógrafo dele — o que acabou por não acontecer, uma vez que o ex-futebolista teve de abandonar mais cedo para resolver um problema com uma licença de pesca.
Algumas crianças ficaram muito tristes, uma ou outra ainda choraram. Mas na altura de ir ver o barco, já nada tinha tanta importância. A tristeza foi substituída por energia.
David, conversador e brincalhão, dizia que o seu momento preferido do dia foi quando se pôde "sentar na cadeira do capitão". Pescou com o avô no Brasil e adorava voltar a pescar aqui em Portugal, um lugar onde diz gostar muito de estar. Apesar de vir de uma família de pescadores, o avô e o pai, David queria ser futebolista, tal como Fábio Coentrão. "Quero ser futebolista. Quero jogar no Porto", diz, a rir-se.
Ofegante, a pequena Mariana saiu do barco quase aos saltos. Estava muito contente por ver o mar lá de dentro. "Eu gostei foi de ver o barco do Fábio. Eu gostei quando nós tocámos num isco para os peixes grandes. Adorava andar num barco destes", apontava ela para o Cidade Celestial, que agora recebia o segundo grupo de crianças.
"Hoje aprendi que temos de pescar com responsabilidade porque senão os peixes iam terminar e depois nós terminávamos", explicava Mariana, com os seus óculos ligeiramente tortos e o gorro quase fora da cabeça. Quer ser artista e médica, adora pintar o mar, animais e ciências. Também ela vinda de uma família de pescadores, o trisavô e o bisavô, apontava para um barco atracado enquanto dizia: "Eu acho que até temos um barco deles ali, mas eu não me lembro do nome do barco."
No final, o cansaço começou a notar-se no grupo de crianças. Os mais pequenos sentavam-se junto a um poste e a professora Marta aproveitou a calmaria para juntá-los e tirar-lhes uma fotografia.
Selo azul e pesca sustentável
Quando começou a organizar esta acção, a MSC não sabia que o tema deste ano, escolhido no agrupamento do qual faz parte a Escola Básica do Godinho, era o "mar". "Foi uma coincidência", comentava a professora. "Nós fomos de manhã ao Ciimar em visita de estudo. Só depois do convite da MSC é que nos apercebemos", esclarecia a professora Marta.
O tema escolhido pelo agrupamento para desenvolver este ano chama-se "Mar nosso de cada dia". Os alunos, além destas visitas de estudo, conhecem obras relacionadas com o oceano e realizam actividades temáticas. Para a MSC, a preservação do oceano começa nas crianças.
"É nas crianças que começa o futuro, elas são sensíveis a esta causa, têm de perceber que elas vão responder ao trabalho e à gestão que foi feita no tempo em que elas eram crianças, portanto, são elas que temos de começar a sensibilizar para estas questões", referia Rodrigo Sengo.
A MSC é uma organização não-governamental que atribui uma certificação de pesca sustentável aos produtos de pescado que venham de capturas amigas do ambiente. "No fundo é passar a nossa mensagem, nesta semana em que vamos celebrar o Dia Nacional do Mar (16 de Novembro) nós temos de passar essa mensagem aos mais jovens. Que existe um futuro na pesca, que pode existir um mar para todos, mas temos de garantir que as coisas são feitas e bem feitas, através de uma pesca sustentável", explicava Rodrigo Sengo aos jornalistas.
"Os mais de 400 produtos com selo azul que temos no mercado são significado de compromissos de pescadores, como o Fábio, armadores, de todo um sector, que tentam transformar o sector da pesca para um movimento azul sustentável, e nós queremos dar voz a esse movimento que vemos em Portugal em força. Para nós faz sentido reforçar estas mensagens numa altura tão importante como o Dia Nacional do Mar", acrescenta o responsável.
"Nós temos como missão acabar com a sobrepesca. Acreditamos que no futuro os oceanos possam estar repletos de vida, mas é necessário investir na investigação científica para dar mais poder aos cientistas e à administração para podermos gerir melhor os nossos recursos pescais", conclui Rodrigo Sengo.
A IV Semana Mar Sempre (entre o dia 11 e o dia 17 de Novembro), organizada pela MSC, junta várias pessoas do sector da pesca em nome da sustentabilidade e da preservação da vida marinha e dos ecossistemas.
Do futebol à pesca: um legado vila-condense
“Quando chegar a casa, vou contar que conheci o Fábio Coentrão e vou dizer aos meus pais, se conseguir, ter um autógrafo do Fábio Coentrão”, dizia Tiago, que olhava ao seu redor à procura do antigo futebolista.
Fábio Coentrão nasceu em Vila do Conde em 1988. Cresceu entre redes e água salgada. Viu o pai partir no barco e demorar dias, que mais pareciam eternos, a voltar para casa. "Vais ser o melhor lateral-esquerdo do mundo", disse Jorge Jesus, antigo treinador de Fábio, que o acompanhou enquanto futebolista aquando da sua jornada no Benfica. Deixou o legado da pesca e dedicou-se à bola, mas nunca se esqueceu das raízes.
Há cerca de quatro anos, aposentou-se do futebol e abraçou o negócio do pai, a pesca. A bordo do Cidade Celestial trabalha "24 horas sobre 24 horas", ele e a mulher, para darem aos filhos aquilo que, "infelizmente, os meus pais não me conseguiram dar", confidenciava aos jornalistas presentes.
"Faz parte os mais velhos ensinarem os mais novos. Quando toca aos mais novos, eu sinto-me no dever de estar presente. E no que toque a mim de ensinar estas crianças, faço-o com todo o gosto", comentava Fábio Coentrão. "Estou empenhado mesmo na pesca, tenho vários negócios como toda a gente sabe, e há muitos negócios em que estou envolvido que eu gosto. Gosto de estar na minha terra, gosto de fazer as minhas coisinhas, os meus negócios e sou feliz assim e quero continuar assim", terminava o ex-futebolista de Vila do Conde.
Depois de um dia de visitas e novas descobertas, as crianças abandonaram a Docapesca com sorrisos no rosto e uma história nova para contar. E reconhecendo a importância do mar, como lembrava a pequena Mariana: "Se o mar terminasse, nós também terminávamos."
Texto editado por Claudia Carvalho Silva