Há 1773 lobistas pelos fósseis inscritos na COP29, diz coligação

Lista feita por grupo internacional mostra que a cimeira do clima continua a ser atravessada por interesses que vão contra a sua essência. Mas lista inclui empresas como a EDP, o que causa críticas.

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Pessoas caminham nos corredores da COP19, em Bacu, no Azerbaijão Murad Sezer/REUTERS
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Há 1773 lobistas a favor da indústria dos combustíveis fósseis inscritos na COP29, a conferência do clima das Nações Unidas que está a decorrer em Bacu, no Azerbaijão, de acordo com uma lista divulgada esta sexta-feira feita por uma coligação de grupos ambientalistas. O número “sublinha a presença desproporcional de poluidores ano após ano nas conversações climáticas cruciais”, adianta, em comunicado, a coligação Kick Big Polluers Out (KBPO), que se pode traduzir para algo como “chutem para fora os grandes poluidores”.

Nos últimos anos, a divulgação da participação de centenas de pessoas ligadas à indústria fóssil, quer seja trabalhando directamente em petrolíferas, quer fazendo parte de associações comerciais que protegem os interesses daquela indústria, tem agravado a percepção de que os interesses que atravessam estas cimeiras muitas vezes vão contra a sua essência. Ou seja, põem barreiras para se atingir o objectivo do combate e da mitigação das alterações climáticas e, mais concretamente, o de impedir que o mundo aqueça acima dos 1,5 graus Celsius, em relação às temperaturas pré-industriais. Algo que é cada vez mais difícil de se alcançar.

Nesse contexto, a COP29, tal como a realizada no Egipto, em 2022, e nos Emirados Árabes Unidos (EAU), em 2023, já está a ser muito criticada por decorrer no Azerbaijão, um país autoritário, com uma ligação histórica à exploração de petróleo e gás natural, cujos representantes já defenderam abertamente, várias vezes, os combustíveis fósseis. Esta é, justamente, uma das críticas feitas por um grupo de personalidades, incluindo o antigo secretário-geral da ONU Ban Ki-moon, que assinaram uma carta divulgada esta sexta-feira a defender um novo modelo para as conferências de pares.

A nova lista da KBPO vem lançar mais achas nesta fogueira. “Por quase 30 anos, estes actores sequestraram as negociações, sabotando o progresso significativo à medida que as nossas comunidades no Sul Global carregam o peso brutal da crise climática, e, no entanto, as nossas vozes mantêm-se marginalizadas nestas discussões importantíssimas”, refere Rachitaa Gupta, da Global Campaign to Demand Climate Justice, citada no comunicado. “Chega de compromissos. Estes poluidores precisam de ser chutados para fora [das conversações] e é tempo para nós, comunidades do Sul Global – que menos contribuíram para esta crise e, no entanto, sofrem mais –, liderarmos e moldarmos soluções climáticas reais, justas, que estejam acima do lucro.”

Critérios e objectivos

O trabalho foi feito a partir das listas que a Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) lançou por estes dias com os nomes das pessoas inscritas na COP29, onde é necessário dizer a filiação de cada pessoa – um critério conquistado há pouco tempo, graças também à pressão da KBPO. Depois, a coligação trabalha estas listas para encontrar as pessoas que considera fazerem parte do lóbi dos fósseis.

“Consideramos lobistas da indústria dos combustíveis fósseis qualquer delegado que representa uma organização ou é membro de uma delegação que se pode assumir, com razoabilidade, que tem o objectivo de influenciar a formulação ou a aplicação de políticas no interesse da indústria de combustíveis fósseis”, lê-se no comunicado da KBPO.

A lista deste ano de 1773 lobistas, embora tenha um tamanho menor do que a da CO28, nos EAU, quando estiveram inscritos 2450 lobistas, é, em termos relativos, maior, já que o número total de inscritos para a COP29 é bastante menor do que o número da COP28. Na lista, encontram-se 39 funcionários de petrolíferas como as norte-americanas Chevron e ExxonMobil, as britânicas BP e Shell e a italiana Eni.

“Somos continuamente ditados pela indústria dos combustíveis fósseis, que destruiu as casas e os meios de subsistência das pessoas”, adianta Beyrra Triasdian, engenheira da Indonésia, que pertence à organização Trend Asia, que está a pressionar os países asiáticos para a transição energética e o desenvolvimento sustentável. “Muitas ilhas da Indonésia afundaram-se, as secas e as inundações são agora comuns e os campos deixaram de ser produtivos devido à crise climática. A conferência de pares do clima foi realizada 29 vezes e as alterações climáticas continuam a agravar-se, enquanto os lobistas dos combustíveis fósseis fogem à sua responsabilidade e utilizam falsas soluções para prolongar a era dos combustíveis fósseis.”

Separar o trigo do joio

Entre os 1773 lobistas incluídos na lista estão cinco vindos de empresas portuguesas, a EDP e a REN, algo que surpreendeu Francisco Ferreira, ambientalista e presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável. “Se é verdade que quer a EDP, quer a REN, têm uma componente associada aos combustíveis fósseis, o que é facto é que temos de distinguir os verdadeiros lobistas, aqueles que vão defender e vão exercer pressão em prol dos combustíveis fósseis”, argumenta o ambientalista ao PÚBLICO.

“Quando tenho, no caso da EDP, objectivos de deixar de utilizar os combustíveis fósseis em 2030, não estou a ver como é que vão estar numa conferência a defender os interesses da indústria fóssil, porque publicamente e internamente têm um objectivo contrário”, refere Francisco Ferreira. “Há que separar o trigo do joio.”

Nos últimos anos, a fatia de produção de electricidade da EDP a partir das energias renováveis tem sido cada vez maior. Nos primeiros nove meses deste ano, 97% da produção de energia da EDP foi a partir de fontes renováveis. No entanto, durante o mesmo período, a capacidade instalada para este tipo de energia –​ a capacidade máxima de produção das suas centrais – foi de 84%. Isto significa que a EDP ainda tem capacidade de produzir 16% de energia vinda de fontes não renováveis.

“Haver um escrutínio por parte da sociedade civil em relação aos lobistas dos combustíveis fósseis é fundamental, haver listas desta natureza é extremamente importante”, defende Francisco Ferreira. Mas “não podemos pôr no mesmo cesto os lobistas-chave, e activíssimos, que estão na cimeira, vindos de vários países árabes, ou de companhias petrolíferas de várias partes do mundo, juntos com empresas que estão numa lógica de descarbonização.”

No entanto, a KBPO defende que enquanto a capacidade instalada da EDP não for de 100% de fontes renováveis, a empresa continuará a fazer parte da lista dos lobistas. “É óptimo eles dizerem que se vão afastar dos combustíveis fósseis, mas nós identificámos as empresas baseando-nos na sua situação actual e não nas suas aspirações”, explica ao PÚBLICO Pascoe Sabido, do Coporate Europe Observatory, um grupo que investiga as influências dos lóbis das empresas na política da União Europeia, e que pertence à coligação. “Até lá, eles obtêm lucros a partir da queima de combustíveis fósseis, por isso o seu interesse material ainda é ditado pelas políticas à volta dos combustíveis fósseis”, argumenta.

E este tipo de escolha não pode pôr em causa a credibilidade da lista? “Seja qual for a metodologia escolhida, haverá sempre quem discorde ou quem a questione, o que é normal. Vai ser pouco provável que a metodologia agrade a toda a gente, uma vez que será sempre, em certa medida, política, ou seja, determinada pelos critérios escolhidos”, responde o activista. “Considerámos as participações financeiras da empresa como um indicador-chave. Pode não ser o que [alguém] escolheria, e esse é um comentário justo, mas pelo menos cria uma conversa sobre a transição e o que significa realmente abandonar os combustíveis fósseis.”

Ao PÚBLICO, a EDP garante que vai continuar a sua aposta nas renováveis: “A EDP mantém-se firme no seu compromisso de promover a descarbonização. É nesse sentido que tem participado em eventos globais, como é o caso da COP, nos quais tem oportunidade de contribuir para o debate e estratégia de combate às alterações climáticas e a aceleração da transição energética.”

O PÚBLICO tentou contactar a REN, sem sucesso.