Uma história de migração digital: o abandono do X de Elon Musk
Utilizadores vêem aplicações alternativas como refúgio de “activismo de extrema-direita”, garante investigador. Bluesky quer aproximar-se ao que era o antigo Twitter e destacar-se da Threads.
Com a vitória de Donald Trump nas eleições nos Estados Unidos, muitas pessoas estão a deixar o X, antes conhecido como Twitter, para plataformas como a Bluesky ou a Threads. Já foram cerca de 700 mil utilizadores desde o anúncio do resultado eleitoral. Isto acontece a um espaço que antes pertencia a todos e que aparenta começar a ser, de algum modo, apenas de alguns. Elon Musk, CEO do X, apoia Trump abertamente, abraçou a campanha republicana. Paralelamente, o tom dos conteúdos no X deslocou-se para ideologias da “extrema-direita”, como apontou ao The Guardian Ruth Bem-Ghiat, historiadora e professora norte-americana. Esta mudança não aconteceu da noite para o dia, mas foi inexorável.
Axel Bruns, investigador de redes sociais, contou ao jornal britânico que a Bluesky “tornou-se um refúgio” para as pessoas que querem experimentar o que em tempos o Twitter proporcionava, mas sem “todo o activismo de extrema-direita, desinformação, discurso de ódio, bots e tudo o resto”. A aplicação tem agora 14,5 milhões de utilizadores em comparação aos dez milhões que tinha em Setembro. Outro factor que contribuiu para esta adesão em crescimento foi o bloqueio do X no Brasil, também em Setembro, que levou a um acréscimo de um milhão de novos subscritores em apenas três dias.
Inês Amaral, docente e investigadora de redes sociais na Universidade de Coimbra, acredita que, se o X continuar "nesta lógica de manipulação absolutamente aberta e do próprio Musk ter cargos próximos da Casa Branca, alguns países vão interferir e vão fazer frente à plataforma", como aconteceu no Brasil.
O projecto da Bluesky nasceu no seio do Twitter, sendo anunciado em 2019 por Jack Dorsey, fundador da antiga rede do pássaro, e tornando-se independente em 2021, como se pode ler na página oficial da empresa. No final de 2022, quando Elon Musk comprou o Twitter, convertendo-o para o X, ficou acordado o fim do financiamento da plataforma do apoiante republicano à Bluesky. A nova rede social é agora uma entidade de utilidade pública, gerida pela actual CEO Jay Graber e a sua equipa.
Abandono do X
Num recente comunicado, a porta-voz da app, Emily Liu, declarou: “Estamos entusiasmados em receber todas estas pessoas novas, desde os fãs de Taylor Swift aos lutadores de wrestling e planeadores urbanos”. À revista Wired, Irene Kim, organizadora do grupo Swifties for Kamala, assegurou que a “avalanche de misoginia” que se seguiu às eleições levou muitos fãs a abandonarem o X.
Alguns encontram na Bluesky uma porta entreaberta para um espaço mais desprovido de alinhamentos políticos, ou talvez seja recente o suficiente para ainda não ter este tipo de marcas. A verdade, segundo Axel Bruns, é que é “a comunidade mais liberal” que se está “a mudar em massa” para outras redes sociais. Esta migração digital é uma pequena revolução, uma rebelião silenciosa. A congressista democrata do estado de Nova Iorque, Alexandra Ocasio-Cortez, afirmou no seu regresso à Bluesky: “Meu Deus, é bom estar de volta a um espaço digital com outros seres humanos reais!”
Na opinião da Inês Amaral: "Pelo menos, para já, acho que a Bluesky não vai ser essa alternativa. Acho que as plataformas que estão absolutamente comercializadas já mostraram que estão implementadas no mercado. Durante muito tempo dizíamos que ia desaparecer o YouTube ou o Facebook, e isso não aconteceu. Elas estão cada vez mais fortes, cada vez mais comerciais e são plataformas de massas".
Marcas que já saltaram do barco
Na passada quarta-feira, o The Guardian também anunciou que deixou o antigo Twitter, num comunicado publicado pelo próprio jornal: “A campanha para as eleições presidenciais nos EUA serviu apenas para sublinhar (...) que o X é uma plataforma tóxica e que o seu proprietário, Elon Musk, tem conseguido utilizar a sua influência para moldar o discurso político".
Nessa linha, o jornal espanhol La Vanguardia saiu do X, esta quinta-feira. Na sua declaração, o órgão de comunicação social refere que a plataforma está “convertida numa caixa-de-ressonância de teorias da conspiração e desinformação”. No mesmo dia, também o Silicon Republic, um site irlandês de notícias sobre tecnologia, deixou a rede social, acreditando que "a moderação é difícil, mas o X já nem finge tentar moderar".
Estas decisões relembram outros abandonos do X, como foram os casos das estações públicas americanas National Public Radio (NPR) e Public Broadcasting Service (PBS).
A ascensão da Bluesky
A Bluesky já está no primeiro lugar na App Store (Apple) dos Estados Unidos da América, à frente do Threads da Meta (dona do Instagram, Facebook e WhatsApp). Os downloads da rede social dispararam, principalmente nos EUA e no Reino Unido, mas também em Portugal — isso foi claramente sentido no aumento do número de seguidores da conta do PÚBLICO. Questionada sobre o número actual de utilizadores em Portugal, a Bluesky não respondeu ao PÚBLICO em tempo útil.
No Brasil, já terá sido indicado um representante legal da Bluesky, uma condição exigida pela legislação local e o mesmo requisito que levou ao bloqueio do X no país sul-americano. A plataforma independente, para tentar construir a sua própria relevância, adoptou recentemente mensagens directas e suporte para vídeo. Estes recursos representam um esforço para se aproximar àquilo que era antes o X, mas com uma proposta diferenciada da concorrente da Meta.
Texto editado por Pedro Esteves