Quase metade dos hospitais que responderam a inquérito reportou falhas diárias de medicamentos

Segundo estudo da associação dos administradores hospitalares, 93,1% de 29 hospitais consideram que rupturas foram problema grave. Mas unidades encontram soluções para minimizar impacto no doente.

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Fazer novo pedido aos distribuidores, procurar alternativas terapêuticas ou pedir por empréstimo a outras unidades foram algumas das soluções encontradas pelos hospitais para resolver falhas de medicamentos Rui Gaudêncio
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A falta de recursos humanos, o excesso de burocracia e a existência de rupturas são algumas das barreiras no acesso aos medicamentos identificadas pelos hospitais que participaram no Índex Nacional de Acesso ao Medicamento, relativo a 2023. Segundo o documento, 93,1% dos 29 hospitais participantes consideram que as rupturas de medicamentos são um problema grave. Fazer um novo pedido aos distribuidores, procurar alternativas terapêuticas ou pedir por empréstimo a outras unidades foram algumas das soluções encontradas para resolver o problema.

O Índex é uma iniciativa da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH). Para apurar o retrato de 2023, foi enviado um inquérito online às 42 instituições do SNS, cujo período de resposta decorreu entre 15 de Julho e 30 de Setembro deste ano. A taxa de resposta foi de 69%.

Não é a primeira vez que a ruptura de medicamentos é identificada como um problema grave que afecta os hospitais. Segundo os resultados, 48,3% dos hospitais que responderam ao inquérito disseram ter registado falhas diariamente, 24,1% semanalmente e 13,8% mensalmente. O documento define que ruptura é “a indisponibilidade temporária resultante da incapacidade de fornecimento regular e contínuo de uma determinada apresentação do medicamento”.

Xavier Barreto, presidente da APAH, reconhece que “será difícil” que este problema venha a desaparecer, mas salienta que em quase todos os casos se encontram soluções para dar resposta aos doentes. “Ou se fazem pedidos de empréstimo junto de outros hospitais ou se encontram alternativas terapêuticas ou, às vezes, o doente pode esperar que o medicamento chegue”, exemplifica.

No lote de soluções a que os hospitais recorrem, e que o Índex identifica, estão também novos pedidos a distribuidores e pedidos de autorização de utilização excepcional feitos ao Infarmed. De resto, praticamente todas as instituições usaram a plataforma da autoridade nacional para saber quais os medicamentos que estão em ruptura e 83% têm na instituição um departamento ou pessoa responsável por solucionar este problema.

Em relação aos resultados de 2022, aumentou a percentagem dos que consideram que as rupturas afectam todos os medicamentos, passando de 47,2% para 55,1%. “Durante muito tempo houve a ideia de que as rupturas estavam associadas a medicamentos genéricos por terem preços muito baixos, levando em alguns casos a indústria a produzir só perante encomenda. Agora há uma preocupação maior com outros fármacos”, diz Xavier Barreto.

Falta de recursos humanos

Entre as várias barreiras identificadas destaca-se também a falta de recursos humanos, com 80% das unidades que responderam a dizer que a falta de profissionais ou a sua não-adequação afecta o acesso adequado aos medicamentos por parte dos utentes. Tal como tem impacto na realização da consulta farmacêutica que, como explica Xavier Barreto, serve para o farmacêutico aconselhar e explicar como devem ser tomados os medicamentos e melhorar a adesão à terapêutica.

“Há estudos que mostram que cerca de 50% dos doentes não tomam ou não tomam bem a medicação”, diz, para salientar a importância desta consulta. Segundo o Índex, 52% das instituições respondentes dizem ter implementado a consulta farmacêutica. Porém, “a percepção que nos chega é que são poucos os doentes abrangidos porque os hospitais não têm farmacêuticos suficientes”. E, por isso, esta é uma questão que quererão adicionar no próximo inquérito.

O presidente da APAH lembra que, “à medida que o SNS cresce, precisa de mais medicamentos” e, consequentemente, de mais recursos humanos, quer para o departamento de compras, quer farmacêuticos. “Não é por acaso que em alguns países os farmacêuticos são os mais bem pagos porque têm a capacidade de influenciar as boas práticas relativamente aos custos com medicamentos. Em alguns hospitais, esta área representa já 50% dos custos da unidade. Uma boa utilização implica mais farmacêuticos”, aponta.

Outra barreira importante é a carga administrativa, identificada como uma barreira por 86,2% das unidades respondentes. No Índex referente a 2023, essa percentagem foi de 41%. Xavier Barreto admite que o facto de o inquérito ter decorrido este ano, já com a alteração para unidades locais de saúde, pode ter influenciado a resposta.

“Não houve nenhuma alteração legislativa nem do código de contratação pública. Acho que o aumento da percepção resultou da sobrecarga de trabalho que [por sua vez] resultou da acomodação das compras dos cuidados de saúde primários. Havia a expectativa, com a extinção das administrações regionais de saúde, de que os quadros não-clínicos iam ser reforçados, o que não aconteceu, de acordo com essa expectativa”, admite o responsável.

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