Em Moçambique, “temos uma polícia que vem para a guerra em meios urbanos”

O jornalista moçambicano Tomás Vieira Mário diz que “há um esforço sistemático do Governo da Frelimo para reduzir todo este movimento de contestação popular a meros actos irracionais”.

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"É natural que haja uma exaustão" entre os manifestantes, "e pode ser por aí que o Governo está a jogar, no factor cansaço", diz Tomás Vieira Mário DR
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Ex-presidente do Conselho Superior de Comunicação Social de Moçambique, actual director executivo da Sekelekani, centro de pesquisa de comunicação para o desenvolvimento, Tomás Vieira Mário diz ao PÚBLICO que a falta de vontade da Frelimo em dialogar com a oposição da Frelimo é porque o partido no poder em Moçambique está dividido em “grupos de interesses” e há uma linha dura que não permite quaisquer gestos que ponham em causa o statu quo. “A Frelimo hoje em dia é um conjunto de grupos de interesses amalgamados e é natural que lá dentro não tenham posições unânimes.”

O Governo e as autoridades moçambicanas estão empenhados em transformar os protestos contra a fraude eleitoral convocados pelo candidato opositor Venâncio Mondlane como sendo manifestações de vândalos que recorrem à violência e afectam a economia moçambicana de tal forma que podem até afectar a meta de 5,5% de crescimento do PIB para este ano.
Na minha opinião, é evidente que há um esforço sistemático do Governo para reduzir todo este movimento de contestação popular às eleições a meros actos irracionais de pessoas inconscientes, com a adjectivação de que são vândalos e que estão a destruir o país, estão a fazer recuar a economia nacional e sem nunca mencionar as causas, nem o que está por trás do movimento. É um esforço a todo custo para denunciar o que se passa no país como sendo movimento de pessoas irracionais, que não têm noção dos custos que estes protestos trazem à economia nacional.

Se formos verificar, todo os momentos em que houve episódios de violência, foi sempre em resposta aos disparos de armas de guerra da polícia. É nesse momento que as pessoas se revoltam. Aconteceu na fronteira com a África do Sul, em Ressano Garcia, onde foi baleada uma criança. Havia uma marcha pacífica, na qual ia até a polícia, que degenerou em violência quando a polícia disparou e matou uma pessoa. O mesmo aconteceu aqui em Maputo em duas ou três ocasiões. Hoje, quarta-feira, aconteceu em Nampula, no bairro Namicopo, com a polícia a disparar contra uma multidão de jovens e as balas foram atingir pessoas nas suas residências. Isso gerou um tumulto e as pessoas foram atrás do agente da polícia e se o conseguirem localizar, poderão matá-lo. Como já aconteceu aqui em Maputo.

Quem se tem comportado de forma violenta são os polícias e não os manifestantes.
Em quase todos os casos onde os manifestantes foram violentos, era em resposta a actos da polícia. Nós temos uma polícia que não está preparada para este tipo de manifestações de civis. Veja-se que é uma polícia que vem para a rua com material de guerra e só os disparos dessas armas criam pânico, as pessoas ficam desorientadas e podem recorrer a meios imprevistos para se defenderem. Para dissuadir possíveis actos de desacato à autoridade podia, como em outros cantos do mundo, usar jactos de água, bastões, mas o que têm é gás lacrimogéneo e balas verdadeiras de armas de guerra. Ora, não há como evitar, neste tipo de situações, danos ou vítimas humanas. Nós temos uma polícia que vem para a guerra em meios urbanos, o que não é de forma alguma adequado.

Não sente que esta quarta-feira, os protestos estão com menos impacto, sobretudo em Maputo? Há uma sensação de que as pessoas estão cansadas e têm de voltar a trabalhar para ganhar algum sustento, que de outra forma não têm?
É óbvio que sim. A maioria das pessoas vivem do que conseguem amealhar diariamente, se não vão à rua ganhar a vida, não têm o que comer. É, por isso, natural que haja uma exaustão e pode ser por aí que o Governo está a jogar, no factor cansaço, no factor fome. Se as manifestações se prolongarem de mais poderão empurrar os manifestantes para a situação de carências extremas, estamos falar de pessoas muito pobres.

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