Os homens estão de volta

A CIP diz que “discriminação salarial” entre homens e mulheres não é a qualificação “correcta”. Prefere “diferenciação salarial”. A confederação de “patrões” é dirigida por 38 homens e cinco mulheres.

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Armindo Monteiro é presidente da CIP Rui Gaudêncio
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O diagnóstico é claro e está por todo lado, neste Dia Nacional da Igualdade Salarial. O Barómetro do Diferencial Remuneratório entre Homens e Mulheres dá conta de que o elevado desvio salarial entre homens e mulheres só em 30% dos casos é explicado por factores objectivos. O restante é inexplicável, o que “sugere a existência de desigualdades estruturais em função do género”.

Mas há mais. O Observatório Género, Trabalho e Poder, do ISEG, dirigido pela investigadora Sara Falcão Casaca, recolheu também dados que apontam para um diferencial salarial em desfavor da mulher de 13,1% em 2022. Já os dados divulgados pela Planapp demonstram que, apesar de o número de mulheres que ocupavam cargos de topo nas empresas cotadas ter quase duplicado entre 2018 e 2022, este crescimento tem sido sobretudo nos cargos não executivos.

O diagnóstico é, portanto, cristalino. Mas, aparentemente, não o é para todos. No Dia Nacional da Igualdade Salarial, a CIP – Confederação Empresarial de Portugal, o organismo que diz representar os patrões e se senta à mesa com os restantes parceiros sociais nessa condição, decidiu divulgar uma nota em que tenta organizar a seguinte posição: “Observa-se que, quando se identifica uma diferença salarial entre homens e mulheres, com inusitada frequência, inclusivamente por parte de pessoas com responsabilidades, se qualifica a mesma como discriminação.”

Continua a CIP: “a qualificação não é correcta”, dado que em “muitos casos” estão em causa “diferenciações salariais e não discriminações salariais.

São duas realidades muito diferentes, insiste a entidade, atirando que pode haver diferenciação sem haver discriminação. A CIP defende, por isso, que se elabore um estudo, cuja análise das diferenças salariais cruze entre si as qualificações, as habilitações literárias, o género e a idade, tudo isto com as funções efectivamente exercidas.

Esses estudos estão feitos e são feitos com regularidade. E o diagnóstico tem sido sempre o mesmo. É revelador que a CIP precise de novos estudos para validar uma visão da realidade que só existe na cabeça dos homens. O que acaba por ser natural, dado que na direcção da CIP, liderada por Armindo Monteiro, estão 38 homens e apenas cinco mulheres, ao passo que no conselho geral estão 63 homens e apenas dez mulheres. Uma questão evidente de diferenciação e não de discriminação.

Esta visão dos “patrões” é, portanto, uma visão machista. E de uma desonestidade intelectual inaceitável, quando a CIP desvaloriza no seu raciocínio que as “diferenciações salariais” são sempre em vincado desfavor das mulheres e fá-lo de tal modo que ainda precise de mais estudos para o aceitar.

Esta posição da CIP podia ser um estertor infeliz de um mundo que se julgava já ultrapassado. Poder-se-ia atribuí-lo a um saudosismo de um tempo em que os homens só precisavam de vestir um fato e gravata para saberem que já estavam à frente assim que entrassem num escritório, numa reunião ou num gabinete. E fatos e gravatas é o que não falta nos órgãos sociais da confederação, que mais não são do que uma fotografia realista do que se passa nos centros de poder empresarial espalhados por todo o país, nas suas múltiplas dimensões.

No entanto, assumir uma posição destas num dia da Igualdade Salarial mostra algo profundamente preocupante para todos os que defendem que o género e as suas condições não podem ser um factor de bloqueio na progressão profissional, em todos os domínios. Há poucos anos, esta posição teria uma menor probabilidade de ser veiculada sem vergonha, sem medo dos danos de reputação ou sem qualquer sentimento de impunidade. Hoje, já não.

A CIP é apenas a face mais institucional de um problema maior. O machismo e a defesa do domínio do homem na sociedade estão a ganhar eleições, estão a ganhar debates no espaço público e estão a recuperar poder. Os homens estão de volta, na cabeça deles. A primazia da masculinidade nas relações, nos espaços, nas organizações, a impunidade dos comportamentos tóxicos de homens com poder, a aceitação do trágico erro civilizacional promovido pela Igreja e os Estados, tudo isto esteve sob ataque durante alguns poucos anos, com o feminismo, a revolta das mulheres, a denúncia de abusos ou a acção social e política pela igualdade e justiça. Mas a reacção está aí. O mundo já está a mudar. E as mulheres e os homens que as apoiam vão ter de voltar a reunir forças e engenho. Sobretudo, forças. Porque estudos já os há.

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