O Azerbaijão promoveu a Conferência da Convenção das Alterações Climáticas das Nações Unidas em Bacu, a COP29, como a “COP da Paz”, e nesta sexta-feira assinala-se o “Dia da Paz” na COP. Mas esta grande reunião diplomática está a ser marcada mais por divisão do que por unidade.
Veja-se o caso francês: o Presidente, Emmanuel Macron, já não ia a Bacu – pela primeira vez, um presidente francês falhava uma COP, desde que em 2015, em Paris, foi assinado o Acordo que leva o nome da capital francesa para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Isto, porque há um conflito diplomático entre os dois países, por causa da Arménia. Mas a ministra do Clima, Agnès Pannier-Runacher, cancelou também a sua viagem até à COP29, depois de o Presidente do Azerbaijão ter acusado França de “crimes” nos seus territórios ultramarinos.
A Argentina protagonizou outro caso de mau agoiro; a delegação foi recambiada de regresso a Buenos Aires na quarta-feira, um dia antes de o Presidente de extrema-direita, Javier Milei, se ir encontrar na Florida com o Presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump – um negacionista climático, que já tirou os EUA do Acordo de Paris e promete fazê-lo outra vez.
Verdade seja dita, ninguém sabe muito bem porque é que a delegação argentina teve de regressar. O facto de ter sido autorizada a ir quase pareceu uma excepção, porque Javier Milei nega também as alterações climáticas e tem aplicado a técnica da motosserra – que empunhava, literalmente, nos seus comícios, durante a campanha eleitoral – para cortar despesas no Estado, eliminando a eito ministérios e departamentos.
Sabe-se apenas que o ministro dos Negócios Estrangeiros, Gerardo Werthein, quer “reavaliar” e “reflectir” sobre a posição a adoptar, dizem os media argentinos, sem que se saiba o que pode isso querer dizer, e porque era imperioso retirar a delegação argentina da COP29. “Esta decisão segue um padrão preocupante, que começou com a eliminação do Ministério do Meio Ambiente e as contínuas ameaças de abandonar o Acordo de Paris”, comentou ao site Cambio2000 a especialista em direito internacional argentina Laura Baron Mendoz.
A presidência da COP29 descreveu o incidente como “uma questão entre a Argentina e as Nações Unidas”, relata a Reuters.
A Arménia no meio
Com França, o problema não é de postura relativamente às alterações climáticas – além de que a diplomacia francesa tenta defender o sucesso do Acordo de Paris, obtido na Conferência da Convenção das Alterações Climáticas que decorreu na capital francesa em 2015.
A ministra Agnès Pannier-Runacher cancelou a viagem a Bacu depois do discurso na COP29 do Presidente do Azerbaijão, Ilham Aliyev, em que investiu contra o que classificou como “hipocrisia” do Ocidente e atacou directamente “o regime do Presidente Macron”.
“As lições dos crimes da França nos seus pretensos territórios do Ultramar não estariam completas sem mencionar as recentes violações dos direitos humanos pelo regime”, declarou o autocrata Aliyev, que lidera um regime violador dos direitos humanos.
Aliyev acusou as autoridades francesas de ter matado 13 pessoas e ferido 169 “durante os protestos legítimos do povo kanak na Nova Caledónia”, referindo-se aos motins em Maio, desencadeados por uma reforma eleitoral que retiraria representação àquele território. Aliyev afirmou ainda que França “mantém a Córsega sob a autoridade colonial”, cita-o o jornal francês Le Monde.
Nos últimos tempos, o Azerbaijão tem multiplicado apoios a várias figuras independentistas da Nova Caledónia, uma ingerência que pode parecer surpreendente. Um empresário francês foi preso no Azerbaijão em Dezembro de 2023 e acusado de espionagem. E, já este ano, dois franceses foram presos e sujeitos a acusações de carácter político e continuam na cadeia. Um dissidente azeri foi assassinado em Mulhouse, em França, no fim de Setembro. Razões de sobra para que o Ministério dos Negócios Estrangeiros tenha aconselhado os cidadãos franceses a não se deslocarem ao Azerbaijão.
Mas na origem desta relação degradada entre o Azerbaijão e a França está o tradicional forte apoio francês à Arménia – embora Bacu acuse Macron de se ter rendido completamente ao ponto de vista arménio e não aceite o envio de armas francesas à Arménia.
Há uma forte comunidade descendente de imigrantes arménios em território francês, que tem o genocídio arménio muito presente (poucos anos antes da Primeira Guerra Mundial, com evacuações forçadas de populações feitas pelo exército do Império Otomano). A história parece repetir-se com o conflito entre arménios e azeris – é uma longa história de conflito.
Esse conflito reacendeu-se recentemente, na última guerra por causa do enclave arménio de Nagorno-Karabakh, tomado pelo exército azeri em 2023, depois de um cerco feroz, e que levou a um enorme êxodo da população arménia.
“As palavras do Presidente Aliyev na COP29 contra a França e a Europa são inaceitáveis. O Azerbaijão instrumentaliza a luta contra a desregulação climática com uma agenda pessoal indigna”, afirmou a ministra Agnès Pannier-Runacher, numa sessão de perguntas ao Governo no Senado francês. “Após consulta e em acordo com o Presidente da República e o primeiro-ministro, decidi não ir a Bacu na próxima semana”, anunciou a responsável pela pasta das Alterações Climáticas no executivo francês.
Será mais uma baixa na representação europeia, em que faltará também a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que disse querer concentrar-se nas audições de confirmação no Parlamento Europeu dos comissários europeus, que estão em curso.
A delegação europeia é chefiada pelo comissário europeu do Clima, o holandês Wopke Hoekstra. França estará, ainda assim, representada em Bacu pelo embaixador Kevin Magron, diz o Le Monde.