Há quatro medidas podem acabar com 90% dos resíduos de plástico até 2050. Saiba quais

Com as medidas propostas no estudo da Science, as emissões de gases com efeito de estufa diminuiriam para um terço, o equivalente à retirada de 300 milhões de veículos a gasolina das estradas num ano.

Foto
Um homem caminha num monte de lixo em Nairóbi, na capital do Quénia DAI KUROKAWA / EPA
Ouça este artigo
00:00
10:58

"Montanhas" de lixo intermináveis em países mais pobres tornam-se cada vez mais comuns. O Quénia, por exemplo, recebe cerca de 37 milhões de peças de roupa por ano que poluem o ar e os rios. Desde 1975, o maior aterro de Nairobi, no Quénia, já recebeu quatro mil toneladas de lixo, por dia, para serem incineradas - em fogos que podem nunca terminar. Os têxteis são responsáveis por 16% do consumo de plásticos mundialmente.

A pouco mais de uma semana da última ronda de negociações do tratado global sobre plásticos, que vai decorrer em Busan, na Coreia do Sul, entre 25 de Novembro e 1 de Dezembro, um estudo publicado esta quinta-feira na revista Science determinou quatro medidas fulcrais para diminuir os resíduos de plástico em mais de 90% até 2050, para além de reduzir as emissões dos gases com efeitos de estufa para a atmosfera em 30%.

"No meio ambiente, os resíduos de plástico entram em pedaços muito pequenos, incluindo os micro e os nano plásticos, numa infinidade de ecossistemas, desde o Árctico ao fundo dos oceanos", como se pode ler no estudo. Em Setembro deste ano, a organização ambientalista WWF revelou que, só este ano, mais de 5,5 milhões de toneladas de plástico tinham sido depositadas nos nossos oceanos. O plástico, que pode demorar centenas de anos para se degradar, tem vindo a afectar severamente os ecossistemas e as espécies marinhas. A organização estima que morrem 100 mil mamíferos marinhos anualmente devido à poluição por plástico.

O estudo, orientado por investigadores da Universidade da Califórnia em Berkeley e da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, recorreu ao machine learning para combinar informações sobre o crescimento da população mundial e as tendências económicas, de forma a tentar prever "o futuro da produção, poluição e comércio do plástico", como se lê em nota de imprensa.

  • "Novos produtos fabricados com 40% de plástico reciclado pós-consumo"

Uma das primeiras medidas que os investigadores determinaram foi a imposição da produção com recurso a plástico reciclado. Uma pesquisa, também publicada na revista Science em Agosto, desenvolveu uma forma mais barata e menos poluente para transformar dois tipos de plásticos (polietileno e polipropileno) em moléculas para a produção de plástico de uma forma mais barata e menos poluente.

Em Portugal, por exemplo, as metas de reciclagem para 2030 dificilmente serão atingidas. A maioria do plástico - que pensamos estar a reciclar ao dividi-lo pelos ecopontos respectivos - acaba em aterros do lixo para serem enterrados ou incinerados. De acordo com o estudo da Science, se a situação se mantiver inalterada, "o mundo vai produzir lixo suficiente entre 2011 e 2050 para cobrir Manhattan com uma pilha de plástico dez vezes superior à altura do Empire State Building".

Foto
Um habitante da cidade de Cebu, na Filipinas, tenta recolher o máximo de lixo que consegue ADOLFO ESPINOSA / EPA

Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (​OCDE), uma acção global ao longo do ciclo de vida dos plásticos poderia "praticamente eliminar a poluição por plástico até 2040" se fossem tomadas medidas fortes na limitação da produção de plástico. Para além dos benefícios ambientais, os autores destacam os benefícios económicos a longo prazo. Na outra face da moeda, os investigadores alertam para um aumento de 70% da produção do plástico até 2040, passando dos 435 milhões de toneladas em 2020 para 736 milhões nesse ano.

  • "Limitar a nova produção de plástico ao nível de 2020"

A segunda medida proposta pelos investigadores consiste na limitação da produção do plástico ao nível de 2020, algo a indústria petroquímica é abertamente contra. De acordo com o relatório Índice de Produtores de Resíduos de Plástico, entre 2019 e 2021 a poluição vinda do plástico descartável, usado uma vez e descartado, aumentou seis milhões de toneladas por ano, apesar de a regulação mundial estar mais apertada. Os produtores de plástico estão a “progredir pouco” para lidar com o problema e aumentar a capacidade de reciclagem.

Um outro estudo, publicado em Abril deste ano na revista Science Advances, revelou que existem 56 empresas responsáveis por mais de metade da poluição por plástico. A Coca-Cola é a maior responsável pelos resíduos de marcas, com 11% do total de resíduos que exibem uma marca, seguida da PepsiCo (5%), da Nestlé (3%), da Danone (3%) e da Altria/Philip Morris International (2%). No entanto, é importante esclarecer que diversos factores como a água e o sol, podem apagar os vestígios das marcas nas embalagens. Os ambientalistas exigem métodos de identificação mais precisos para serem atribuídas responsabilidades.

"Num futuro normal, as emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com o plástico aumentariam 37% em relação aos níveis de 2020, atingindo 3,35 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente em 2050 - o que equivale a cerca de 9000 centrais eléctricas alimentadas a gás natural a funcionar durante um ano ou ao consumo de energia de mais de 436 milhões de casas durante um ano", refere o estudo da Science.

No passado mês de Setembro, o estado da Califórnia processou o gigante petrolífero Exxon Mobil pelo seu alegado papel na produção de resíduos de plástico e consequente impacto no meio ambiente. De acordo com eles, a empresa estava a enganar, deliberadamente o público sobre as limitações da reciclagem. A Exxon é o maior produtor mundial de resinas utilizadas para plásticos de utilização única.

  • "Investir na gestão dos resíduos de plástico, como os aterros e os serviços de recolha de lixo"

Portugal não tem um bom historial no que toca à gestão dos resíduos. Na realidade, a Comissão Europeia está constantemente a alertar a nação. Contabilizam-se 17 infracções em 2020, seis infracções em 2022 e quatro em 2023. Este ano, o país já contabiliza quatro: uma por má aplicação da Directiva Aterros e da Directiva-Quadro Resíduos, duas por não ter transposto a directiva sobre isenções aplicáveis à utilização de chumbo e de crómio hexavalente em determinados casos, e outra pela transposição incorrecta da revisão de 2018 da Directiva-Quadro Resíduos.

“Este trabalho político mostra que podemos reduzir ao mínimo os resíduos plásticos mal geridos se nos unirmos em acção. Isto proporciona aos decisores políticos uma nova ferramenta que não é prescritiva - podem combinar várias políticas como entenderem. No futuro, penso que um mecanismo de recolha de dados sobre a produção e o comércio de plástico será um factor-chave. Precisamos de transparência na cadeia de abastecimento”, comenta Nivedita Biyani, investigadora em Modelação Global de Plásticos, Laboratório de Ciências Oceânicas Benioff na UC Santa Barbara, na nota de imprensa sobre o trabalho.

A maior parte do resto do lixo acaba em aterros sanitários, que, mundialmente, são responsáveis por cerca de 11% das emissões de metano. Este gás, com efeito de estufa, contribui para o aquecimento global e a consequente subida das temperaturas, que afectam não só os seres humanos, como afectam os ecossistemas. A Ilha da Páscoa é um exemplo de um vórtice de plástico que navegou milhares de quilómetros e se alojou nesta pequena ilha do Pacífico. Vários moradores da ilha afectados pelo lixo revelaram à Reuters a esperança na próxima negociação em Busan, na Coreia do Sul. Pedem a "redução na utilização de polímeros de plástico".

Foto
Em 2022, um aterro de lixo da Índia começou a arder, libertando gases nocivos para os habitantes IDREES MOHAMMED / EPA

Ainda de acordo com o estudo da Science esta quinta-feira, "em 2020, dos 39% dos resíduos de plástico que foram para aterros, 24% foram incinerados e 22% foram reciclados". "Os restantes 15%, ou 62 Mt, foram mal geridos. Actualmente, 90% dos resíduos mal geridos ocorrem no resto do mundo, enquanto a China, a América do Norte e a União Europeia 30 (incluí o Reino Unido, a Suíça e a Noruega) geraram, cada um, 3-4%", alerta o artigo.

Os autores notam ainda que "os resultados do estudo sugerem que é possível diminuir substancialmente a má gestão dos resíduos de plástico – um dos maiores desafios ambientais da era moderna". "No entanto, é soberano e instruído que se considere a robustez das políticas necessárias para se atingir tal resultado.”

  • "Aplicar pequenas taxas sobre as embalagens de plástico"

A última medida que os investigadores destacam é a aplicação de pequenas taxas sobre as embalagens de plástico. Em diversos países, esta já é uma realidade. Segundo o Tribunal de Contas Europeu (TCE), a taxa sobre plástico gerou 7,2 milhões de euros de receitas para o Orçamento da União Europeia em 2022.

Em Portugal, a Associação Zero pediu uma actualização nas taxas sobre os plásticos para o Orçamento de Estado de 2025. A associação propõe que a taxa europeia sobre embalagens de plástico não recicladas deixe de ser paga pelo Orçamento do Estado, o que corresponde a mais de 200 milhões de euros por ano. A contribuição sobre as embalagens de plástico para utilização única em refeições prontas gerou 3,3 milhões de euros para o Estado português em 2023, de acordo com os dados provisórios divulgados pelo INE. Estes valores ficaram abaixo dos 20 milhões de euros previstos pelas Finanças em 2022.

A Organização das Nações Unidas alerta que estas "percentagens" só podem ser atingidas se existirem mudanças significativas do foro político, assim como os investigadores da Science. Roland Geyer, também co-autor do estudo e professor de Ecologia Industrial na UC Santa Barara, citado no comunicado de imprensa, conclui que "este estudo demonstra o quanto avançámos não só na quantificação dos múltiplos problemas relacionados com os plásticos, mas também na identificação e avaliação de potenciais soluções”. Acrescenta, ainda: "estou muito orgulhoso do que a nossa equipa conseguiu alcançar a tempo da ronda final de negociações para o Tratado Mundial sobre os Plásticos".

Última ronda de negociações em Busan

A quarta ronda de negociações sobre o futuro do tratado global das Nações Unidas em Otava, no Canadá, em Abril, terminou sem um acordo sobre os limites à produção de plástico - ficou tudo em stand by para a última ronda a começar no próximo dia 25 de Novembro na Coreia do Sul.

Entre os temas de análise, está a identificação de substâncias químicas perigosas nos produtos feitos de plástico, o novo desenho das embalagem e novos métodos de financiamento dos esforços para combater a poluição por resíduos de plástico, "um dos maiores desafios da era moderna", como se pode ler no estudo da Science.

Mais de 60 países exigiram que o tratado incluísse limites à produção, entre os quais os países-membros da União Europeia (que inclui Portugal), o Peru, o Ruanda, a Noruega e o Gana (Coligação de Ambição Elevada), mas a oposição dos países produtores de petróleo manteve-se cerrada. Defendem os seus direitos económicos e a indústria.

Douglas McCauley, professor na Universidade da Califórnia em Berkley e co-autor do estudo, alerta no comunicado de imprensa, que as próximas negociações serão um momento chave para travar a poluição por resíduos de plástico. "É agora. Estas próximas negociações em Busan são a única oportunidade de nos unirmos como planeta e resolvermos este problema", explicou. E remata: "Uma das descobertas mais empolgantes desta investigação é o facto de ser realmente possível acabar praticamente com a poluição por plásticos com este Tratado. Estou cautelosamente optimista, mas não podemos desperdiçar esta oportunidade única na vida".