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“A extrema-direita é ridícula e assassina”, afirma o humorista Gregório Duvivier
O comediante brasileiro apresenta em Portugal o espetáculo O Céu da Língua, que estreia nesta quinta-feira (14/11), em Lisboa. Gregório Duvivier diz que a democracia é vital para o humor.
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O humorista Gregório Duvivier não esconde sua paixão por Portugal, sobretudo pelo apreço do país pela democracia. "Sou muito deslumbrado por Portugal, porque acho que é um país em que você ainda consegue ser relativamente livre para dizer o que se pensa, é um país que tem um bem-estar social, com muito pouca desigualdade, comparativamente, com outros países do mundo", diz.
Na avaliação dele, o autoritarismo deixa o debate monotemático, pois cria uma situação em que apenas se fala da falta de democracia. "Para mim, só existe o humor na democracia. Embora o humor seja muito útil para criticar tiranos, ele floresce na democracia. Não se faz humor em uma trincheira, não se faz humor em um navio naufragando", afirma.
Ele ressalta que, depois dos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro e com Lula no poder, o Brasil voltou a respirar com mais tranquilidade, num clima mais propício para o humor. "As pessoas voltaram a brigar por futebol, voltaram a brigar por coisas menos relevantes, o que eu acho positivo para a saúde da democracia. Porque um dos problemas da ameaça à democracia é que ela sequestra todos os assuntos. Como é que você vai falar de qualquer outra coisa na iminência de um golpe? E a gente viveu na iminência de um golpe que não se concretizou por muito pouco", frisa.
Apesar do alívio na política, o humorista reconhece que o Brasil vive uma espécie de teocracia, em que os evangélicos estão pautando o comportamento, tornando o país muito mais conservador, travando debates importantes como sobre o aborto e até mesmo interferindo em programas de televisão. Essa questão da religião, por sinal, está na base do discurso da extrema-direita, que Duvivier classifica de "ridícula e assassina".
Duvivier está em Portugal para uma temporada com o espetáculo O Céu da Língua, em que faz uma homenagem à língua portuguesa. Em Lisboa, as apresentações começam nesta quinta-feira (14/11), no Teatro Aberto, e vão até 1º de dezembro. Depois, ele sobe ao palco do Teatro Sá da Bandeira, no Porto, nos dias 2 e 3 de dezembro. A seguir, trechos da entrevista que o humorista, que se destacou no Porta dos Fundos, concedeu ao PÚBLICO Brasil.
Como será o espetáculo em Portugal?
O espetáculo é uma ode a língua portuguesa e às línguas em geral. Foi a língua que pariu o ser humano. Essa é a ideia. Não é o ser humano que inventou a língua, foi a língua que inventou o humano, porque, sem ela, seríamos macacos. Então, quando o hominídeo começa a verbalizar, nasce a humanidade. E a língua diz muito sobre quem a fala. Então, o que a língua portuguesa diz sobre a gente? Afinal de contas, “o limite da nossa linguagem são os limites do nosso mundo?”, como dizia o Wittgenstein. Essa é a pergunta que rege a peça. Eu sou uma pessoa muito verbal. Sou apaixonado pelas palavras, sou obcecado por elas. A peça é sobre essa obsessão.
O humor tem a ver com palavras?
Tem, pelo menos para mim. O humor que eu mais gosto é fruto da obsessão com a linguagem, seja ela qual for. Com a linguagem corporal, a linguagem verbal, claro, e a linguagem musical. A linguagem não serve apenas como veículo para dizermos coisas, mas também é a coisa em si. Ela é o objeto muitas vezes do que se fala, e acho que usar a linguagem não só como veículo, mas como objeto. é para mim muito cômico. Ou seja, falar da maneira que se fala é sempre um manancial de comédia. Isso vai desde sotaques a léxicos específicos de cada pessoa. Cada pessoa tem seu idioleto. Nós temos a língua, os dialetos dentro da língua e os idioletos, que são os dialetos particulares. Cada pessoa tem um.
E Portugal, o que é que representa para você?
Para mim, é uma segunda casa. É um lugar em que me sinto tão em casa quanto no Rio de Janeiro. É uma chance de a gente repensar o que nos faz brasileiros. Eu me senti mais brasileiro depois que eu vim a Portugal. Eu amo Portugal, mas não como português. Amo como um estrangeiro. Eu me sinto muito brasileiro aqui. Mas o que eu mais gosto quando venho para cá é ver tudo aquilo que a gente pode ser. Eu sou muito deslumbrado por Portugal, porque acho que é um país em que você ainda consegue ser relativamente livre para dizer o que se pensa, é um país que tem um bem-estar social, com muito pouca desigualdade, comparativamente, claro, com outros países do mundo. Não falo só do Brasil, estou falando de países teoricamente de primeiro mundo. Portugal é relativamente equânime, um país muito mais progressista do que as pessoas costumam ver.
Mas não é essa a imagem que Portugal tem no Brasil.
O brasileiro tem uma imagem do português que eu acho que é anterior à Revolução de 25 de Abril (de 1974), que é o fado e Fátima. É isso que muitos brasileiros pensam, quando falam de Portugal. Ou seja, é catolicismo e é a música tradicional. Ainda veem Portugal salazarista, porque os portugueses que foram ao Brasil, muitos eram salazaristas e vinham dessa época. Mas Portugal se reinventou depois de 1974 e virou um país quase na contramão disso, virou um país muito progressista, socialista, muito mais democrático do que o Brasil. Então, é por esse Portugal que eu sou apaixonado, o Portugal de 25 de Abril, que é um país extremamente acolhedor para mim.
Hoje há uma virada política no mundo. Isso ajuda ou atrapalha o humor?
Eu me sinto muito desesperado com isso. Não me ajuda não. Creio que o humor é importante nessas horas, mas eu não acho que seja mais fácil fazer humor com essa extrema-direita tão ridícula. Porque, além de ridícula, é também muito assassina. Pode parecer engraçado rir do Trump, se você não for um imigrante irregular nos Estados Unidos. Você nem precisa ser um, basta conhecer alguém ou pensar em alguém que é, e ele perde a graça na hora. O problema da extrema-direita é que ela pode parecer engraçada, mas não é, porque os crimes que ela comete são reais. A extrema-direita tem uma camada de graça que é a pontinha do iceberg de um fascismo real. Às vezes, a gente fica pensando: olha como o cabelo é ridículo. Mas, por trás disso, tem alguém com pretensões ditatoriais de verdade e nenhum apreço pela democracia.
Quer dizer que, para você, a democracia é o ambiente para o humor?
Para mim, só existe o humor na democracia. Embora o humor seja muito útil para criticar tiranos, ele floresce na democracia. A gente precisa de segurança para fazer humor. Embora seja importante correr algum risco, também é importante ter alguma segurança. Não se faz humor em uma trincheira, não se faz humor em um navio naufragando. Se seu prédio está pegando fogo, você não faz uma piada sobre o fogo, você grita: “Fogo! Socorro!” Então, o humor precisa que o fogo esteja apagado e aí, depois que apagar o incêndio, você faz todas as piadas sobre o fogo. Em geral, o humor vem em um momento de alívio, não vem no meio do combate ao fogo. O Brasil, nos últimos anos sob Jair Bolsonaro, era um país pegando fogo, e ninguém queria fazer piada sobre o fogo. A gente estava só pensando em apagá-lo. Então, o Brasil perdeu um pouco a graça.
E, agora, o Brasil recuperou a graça?
Acho que o Brasil recuperou muito a graça, o que está longe de dizer que virou um país perfeito, pelo amor de Deus! É um país que tem muitos problemas ainda. Mas acho que a gente recuperou um pouco da leveza, sim. Mesmo nas ruas, vejo as pessoas falando mais de outras coisas. Durante os anos Bolsonaro, só se falava disso, era uma espécie de monotema. Você ia à padaria e o cara falava: “Viu a última que ele fez?” E eu: “Pô, não quero falar disso”. Já trabalhava falando do cara e ele dominava os assuntos, para quem gostava e para quem odiava. Hoje, acho que o Lula faz as pessoas descansarem um pouco desse assunto único.
As pessoas voltaram a brigar por futebol, voltaram a brigar por coisas menos relevantes, o que eu acho positivo para a saúde da democracia. Porque um dos problemas da ameaça à democracia é que ela sequestra todos os assuntos. Como é que você vai falar de qualquer outra coisa na iminência de um golpe? E a gente viveu na iminência de um golpe que não se concretizou por muito pouco. E como é que você vai falar de outra coisa no meio desse processo? Então, acho que o Brasil voltou a falar besteira. E, para mim, é uma alegria, porque vivo de besteira.
Mas o Brasil hoje parece que vive a ameaça da teocracia. Como isso se reflete no seu trabalho?
A teocracia no Brasil é até mais que uma ameaça. Ela é uma onipresença, um encosto, como dizem os próprios pastores. O Brasil já é, em certa medida, uma teocracia difusa. Ou seja, você não vai ver o Presidente nunca falando sobre aborto. É uma proibição do assunto. Tem alguma lei que proíba o Presidente de falar sobre o aborto? Não! Isso vale também para a TV Globo, que não vai fazer uma novela com protagonistas homossexuais ou com beijo homossexual, que já teve, mas retrocedeu.
Hoje em dia, isso é impensável para a Globo, porque não dá para desagradar o evangélico imaginário, não é nenhum evangélico específico, que hoje mora na cabeça de cada executivo de tevê. Então, não é uma censura a posteriori, como era na ditadura em que a pessoa escrevia e vinha o censor e batia e prendia porque a pessoa tinha escrito aquilo. A censura hoje acontece de uma outra maneira. É menos violenta, verdade, mas ainda mais eficiente, porque é uma censura prévia. Então, o cara que vai escrever uma novela, não vai nem botar o beijo, porque ele já tem esse evangélico imaginário na cabeça dele, que diz assim: "Não mexe nisso não". É um retrocesso nesses assuntos que já foram muito mais centrais. Tinha protagonistas homossexuais, teve um beijo homossexual na novela das oito, teve o aborto sendo pautado nos anos 2010. Foram alguns avanços pequenos, mas que, hoje em dia, seriam impensáveis.
Um estudo feito anos atrás nos Estados Unidos chegou à conclusão de que as pessoas que assistiam ao programa de humor do Jon Stewart, que é semelhante ao Greg News, eram mais bem informados do que quem assistia ao noticiário todos os dias. Como vê isso?
Pois é, vi esse dado e vi também que, nos Estados Unidos, hoje, a maioria dos jovens já consome as notícias por meio do humor. A principal fonte de informação de uma certa idade é o humor. Na minha opinião, isso acontece porque o humorista, em geral, não esconde o seu ponto de vista. Acho que as pessoas não acreditam mais na imparcialidade. Elas confiam mais em alguém que elas sabem qual é o lugar do qual estão falando. É uma geração que quer saber quem está falando e porquê. E o humorista, seja ele de direita ou de esquerda, fala de um lugar muito claro. Tem um pacto ali de sinceridade e eu acho que o espectador procura isso, porque tem uma desconfiança sobre a mídia.