O petróleo e o gás natural “são dádivas de Deus”, tal como quaisquer outros recursos naturais, afirmou o Presidente do Azerbaijão, o país anfitrião da 29.ª Conferência da Convenção das Alterações Climáticas das Nações Unidas (COP29), que atacou sem poupar nas palavras o Ocidente "hipócrita", que fala do do Azerbaijão como um petro-Estado que deveria limitar as emissões de gases com efeito de estufa.
“Infelizmente, uma duplicidade de critérios, o hábito de dar lições a outros países e a hipocrisia política tornaram-se o modus operandi de alguns políticos, organizações não-governamentais controladas por Estados e órgãos de comunicação que publicam notícias falsas em alguns países ocidentais”, declarou Ilham Aliyev. Presidente desta antiga República Soviética desde 2003 — quando substituiu o seu pai, Heydar Aliyev —, Ilham Aliyev foi vice-presidente da SOCAR, a Companhia Estatal de Petróleo da República do Azerbaijão, que domina os negócios de petróleo e gás natural naquele país, que não é uma democracia e tem vários problemas de direitos humanos.
“Não se devia culpar os países por ter [gás natural e petróleo] e não deviam ser criticados por levar estes recursos para o mercado, porque o mercado precisa deles”, proclamou Aliyev, citado pelo site Politico.
Embora produza menos petróleo que o Reino Unido e apenas um pouco mais de gás natural, os dez milhões de habitantes do Azerbaijão representam um sexto da população britânica, pelo que a dependência dos hidrocarbonetos é muito maior, lê-se numa investigação publicada em Outubro pelo think tank britânico Chatham House, que tem como primeiro autor Ruth Townend.
O sector representa cerca de 90% das exportações e 30% a 50% do Produto Interno Bruto (PIB), dependendo dos preços internacionais, o que deixa numa taxa de dependência dos hidrocarbonetos semelhante à da Arábia Saudita ou Emirados Árabes Unidos, por exemplo. Os EUA são actualmente o maior exportador de combustíveis fósseis, mas isso representa apenas cerca de 8% da sua economia, segundo site de estatísticas Statista.
Aliyev salientou que a parte do Azerbaijão nas emissões globais de gases com efeito de estufa “é de apenas 0,1%”, relata a BBC. Isso corresponde aos dados da Agência Internacional de Energia (AIE) Estes valores não incluem a produção de metano, e o Azerbaijão é 30º país que mais liberta metano no processo de produção de combustíveis fósseis. Este gás tem um efeito de estufa 28 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2).
No entanto, como é habitual, estes dados não contabilizam as emissões dos combustíveis exportados, mas antes as que ocorrem dentro das suas fronteiras, salientam os autores do estudo da Chatham House. Os objectivos de redução das emissões do Governo do Azerbaijão (NDC na sigla em inglês) não são ambiciosos: redução de 40%, em relação aos níveis de 1990, até 2050, sem calendarizar uma meta para a neutralidade climática (o momento em que será tirado tanto carbono da atmosfera como aquele que é adicionado).
Ainda assim, se o Azerbaijão cumprir esse plano, seria uma reviravolta positiva, salientam os investigadores da Chatham House. Segundo a AIE, entre 2000 e 2033, as emissões do Azerbaijão subiram 33% e a tendência é de alta. Mas o país não parece bem lançado para cumprir as suas promessas, sublinham os investigadores. A retórica do Presidente Aliyev demonstra-o.
Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, a União Europeia virou-se para o Azerbaijão como um importante fornecedor alternativo de gás. “A ideia não foi nossa. Foi uma proposta da União Europeia: precisavam do nosso gás devido às mudanças na situação geopolítica e pediram-nos ajuda”, afirmou Aliyev no seu discurso na COP29, passando a responsabilidade pelo contrato assinado em 2022 para duplicar a quantidade de gás natural exportado para a UE.
Mas se a União Europeia cumprir os seus planos, a exportação de gás natural para a Europa não oferecer perspectivas a longo prazo para o Azerbaijão. “Uma avaliação de Fevereiro de 2024 da Comissão Europeia indica que as importações de combustíveis fósseis vão cair para menos de metade até 2040. Em relação ao gás natural, deve ser mais ou menos um terço do volume importado em 2023, dependendo dos cenários”, diz o relatório da Chatham House.
“Isto põe seriamente em xeque a necessidade de o Azerbaijão aumentar a produção de gás para lá de 2030, contando com os contratos estabelecidos com a União Europeia”, dizem os investigadores da Chatham House.
É o segundo ano seguido que a Conferência da Convenção do Clima das Nações Unidas se realiza num Estado dependente da produção de combustíveis fósseis. Mas no ano passado, nos Emirados Árabes Unidos, não houve uma defesa tão sonora dos hidrocarbonetos e chegou mesmo a ser assinado um compromisso, para iniciar a transição para o abandono da energia fóssil.