“Assumo total responsabilidade pelo que correu menos bem” no INEM, afirma ministra
O INEM passou a disponibilizar os tempos de espera do atendimento das chamadas, anunciou esta terça-feira a ministra da Saúde no Parlamento. PS e Chega sugerem que devia apresentar a demissão.
Debaixo de fogo, a ministra da Saúde assumiu esta terça-feira "total responsabilidade pelo que correu menos bem" no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e anunciou que o instituto passou a disponibilizar online os tempos de espera do atendimento das chamadas. "O número de chamadas diárias tem aumentado, sendo hoje, em média, de 4000 por dia, o número de técnicos de emergência pré-hospitalar tem diminuído e os tempos até ao atendimento das chamadas tem aumentado. Neste momento, todas as pessoas podem consultar tempos de atendimento no site do INEM. Em 2021 eram 12 segundos, em 2023 eram 36 segundos e em 2024, entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro, são, em média, 68 segundos", afirmou Ana Paula Martins, na discussão da proposta de Orçamento do Estado da Saúde de 2025 no Parlamento.
Nas últimas semanas, Ana Paula Martins tem estado sob escrutínio público por causa das dificuldades na resposta do INEM. A greve às horas extraordinárias marcada pelo Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, que durou uma semana, expôs a grande falta de recursos humanos nesta área. Coincidente com a greve marcada pela função pública, sucederam-se elevados tempos de espera no atendimento de chamadas de emergência médica.
Há pelo menos uma dezena de casos de doentes que faleceram que alegadamente poderão estar relacionados com os atrasos no atendimento das chamadas. O Ministério Público tem seis inquéritos em curso e também a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) vai averiguar se o INEM teve responsabilidades no incumprimento dos serviços mínimos que ocorreu na segunda-feira da semana passada, dia em que as duas greves ocorreram em simultâneo. Esta tarde, a ministra faz uma visita ao INEM.
Segundo Ana Paula Martins, entre o ano passado e este ano, "houve uma diminuição significativa de técnicos de emergência pré-hospitalar". "Hoje temos menos 483 técnicos em relação ao previsto. Deviam ser 1341”, disse, referindo que também médicos e enfermeiros precisam de ter mais condições de atractibilidade.
Quanto ao dia 4 de Novembro, em que aconteceram as duas maiores dificuldades no atendimento, "pelo menos um dos turnos de oito horas não cumpriu os serviços mínimos por falta de recursos humanos". Houve "muitas chamadas por atender" e foram "muitas as que demoraram a atender". Ana Paula Martins lamentou "profundamente a situação de que muitas famílias viveram" e deixou a "promessa solene" de que tudo farão "para apurar responsabilidades" e "se houve ou não" uma relação entre as mortes ocorridas e a falta ou atrasos de meios de emergência.
Lembrando as averiguações que estão a decorrer e apesar de ainda não serem conhecidas conclusões e de o sindicato dos técnicos ter referido que os impactos dos atrasos no atendimento não são de agora, a ministra afirmou que, para o Governo, "cada caso assume uma importância determinante que temos de clarificar".
"Não tenham dúvidas que, enquanto ministra da Saúde, assumo total responsabilidade pelo que correu menos bem e comprometo-me, em nome do Governo, a executar as medidas necessárias para a refundação do INEM", disse. No próximo dia 22, o ministério reúne-se com o sindicato dos técnicos de emergência pré-hospitalar, com as negociações a iniciarem-se pela revisão da grelha salarial.
PS e Chega pedem demissão
"A ministra sabia que a greve ia acontecer com mais de dez dias de antecedência. A senhora ministra não reagiu", apontou o deputado do PS João Paulo Correia, que lembrou que existe "zero sobre o INEM no Orçamento do Estado" e no Plano de Emergência e Transformação da Saúde. "A estratégia do Governo foi não negociar com o sindicato", disse, lembrando as várias mortes que estão a ser investigadas por alegados atrasos na resposta do INEM. "Assume as consequências?", perguntou.
O deputado apelou ainda à demissão da ministra da Saúde, atribuindo-lhe "inteira responsabilidade" pelo "colapso do sistema de emergência pré-hospitalar e pelo caos na resposta do INEM". Para João Paulo Correia, está em causa "negligência e incompetência no exercício das funções" por parte de Ana Paula Martins, "com cobertura do senhor primeiro-ministro".
Ana Paula Martins acusou o deputado de "falta de urbanidade no tratamento" por ter afirmado que esta estava a mentir. "É algo que considero pessoalmente grave. Eu não menti. No dia em que soube que efectivamente estava a haver duas greves em simultâneo, e foi por isso que me mostrei surpreendida porque a greve de dia 4 foi uma greve da administração pública e não era suposto ter impacto no INEM. A surpresa vem também porque estávamos desde Julho a trabalhar no sentido de iniciar a negociação sindical", disse, referindo que ainda não se tinham reunido porque precisam "de ter uma tabela salarial que esteja absolutamente sólida para propor ao sindicato".
Também o deputado do Chega Rui Cristina insistiu que a ministra da Saúde "não tem condições para continuar no cargo". "O único caminho é que assuma a sua demissão e dê lugar a quem tenha coragem política para fazer a diferença", disse, acusando a ministra de falta de liderança e de tomada de decisões.
Em resposta, Ana Paula Martins afirmou: "Respeito muito a sua frase de que a população está desiludida com a inacção da ministra da Saúde, mas acredito que estaria muito mais desiludida, neste momento, se eu fugisse em vez de assumir as minhas responsabilidades porque eu estou aqui para assumir as minhas responsabilidades." "Não fujo. Não minto e não me escondo", disse Ana Paula Martins.
"Se efectivamente houver responsabilidades que a ministra da Saúde entenda que podia ter evitado, pode ter certeza que eu saberei interpretar esses resultados. Essa é a garantia que pode ter da minha parte", assegurou ainda.
Mário Amorim Lopes, da Iniciativa Liberal, insistiu em saber se o gabinete da ministra sabia ou não da convocação da greve dos técnicos de emergência pré-hospitalar e se o INEM tinha dado ordem para convocar serviços mínimos. Relativamente a este último ponto, a ministra disse que "foi aberta uma inspecção da IGAS, tendo em conta a gravidade da situação, para apurar se os serviços mínimos foram ou não cumpridos e convocados em tempo útil e se todos os procedimentos aconteceram".
"Esta dúvida não pode subsistir, porque poderia indiciar negligência de um lado ou de outro: dos trabalhadores ou do INEM", afirmou, acrescentando: "A informação que temos é de que tudo o que poderia ser acautelado e accionado foi feito." Ainda assim, a "investigação vai ser feita também para percebermos se houve um padrão assimétrico nesses dias". "Os técnicos não merecem que se fique com a ideia de que não cumpriram os serviços mínimos." Sobre estes profissionais, a governante admitiu a possibilidade de poderem evoluir para um corpo mais diferenciado, como é o caso dos paramédicos.
Questionada sobre o processo de refundação do INEM e qual o plano do Governo, Ana Paula Martins disse que estão a "tentar estender a dedicação plena" aos médicos e aos enfermeiros e que a visão que têm, no âmbito da refundação, é de um INEM "mais regulador", o que "não retira responsabilidade ao INEM de ser financiador". Afirmou que os centros de atendimento de doentes urgentes (CODU) devem ficar na alçada do INEM e que ainda não tem todas as redundâncias que consideram necessárias. "Ainda temos um sistema com chamadas em espera. Chegamos a ter 90 chamadas em espera", disse a ministra.
Críticas à falta de informação
Desde que assumiu a pasta, Ana Paula Martins tem enfrentado desafios: nas urgências mantêm-se alguns fechos rotativos e o número de utentes sem médico de família atribuído c0ntinua acima de 1,5 milhões. No próximo ano, o sector da Saúde vai ter mais de 16,8 mil milhões de euros e as transferências para o SNS ficam muito perto dos 14 mil milhões de euros – mais 752 milhões de euros do que o valor previsto para este ano –, de acordo com a proposta de Orçamento do Estado para 2025.
Ainda antes de a ministra começar a falar, o PCP fez uma intervenção lamentando que a nota explicativa do Orçamento do Estado da Saúde tenha chegado tarde ao Parlamento. “Faltam dados na nota explicativa, nomeadamente a conta consolidada do SNS”, apontou Paula Santos.
Mariana Vieira da Silva, do PS, também não poupou críticas à falta de informação. “A equipa governativa que lidera já não tem qualquer credibilidade quando fala de metas, de números, de objectivos ou quando fala de calendário. Não há um número que tenha sobrevivido mais de uma semana quando a senhora ministra o profere nesta assembleia. Toda a informação quantitativa sobre o plano de emergência foi apagada do site. E na nota explicativa não tem uma estimativa de conta do SNS para o ano nem uma projecção para o ano seguinte.”
Em resposta, a ministra afirmou que no Portal do SNS já estão disponíveis dados que durante vários meses não foram actualizados. “Aquilo que possa faltar nesta nota explicativa será enviado até ao final do dia aos senhores deputados. Não há nenhuma intenção de esconder rigorosamente coisa nenhuma”, disse ainda. Mariana Vieira da Silva pediu que os dados sejam enviados durante a audição.
Também o deputado Mário Amorim Lopes, da Iniciativa Liberal, criticou a falta de informação na nota explicativa e as horas a que foi disponibilizada, que, "tal como o INEM, chegou tarde e a más horas". Falou de comparações "que não têm qualquer valor" e de tabelas "que não servem de absolutamente nada".
No final da audição, numa interpelação à mesa, Mariana Vieira da Silva afirmou que a nota explicativa aponta para um saldo positivo no final deste ano, mas que no quadro que lhes foi entregue, durante a audição, "fala-se de um défice para este ano de 665 milhões de euros". "Agradecia [dirigindo-se ao vice-presidente da mesa] que pedisse ao Ministério da Saúde que entregasse uma errata da nota explicativa ou uma errata do quadro que enviou, porque um dos dois não está certo. Não é aceitável que a Assembleia da República faça uma discussão com desvios de 665 milhões de euros."
A secretária de Estado Cristina Vaz Tomé respondeu à critica, dizendo que o "saldo da estimativa de 2024 para 2025 é positivo em 666 milhões de euros". "O negativo, não sei onde viu. Estamos a falar do Orçamento do Estado para 2025. Isto é a conta do SNS, o relatório refere-se à conta do Ministério da Saúde."