COP29: as críticas de quem fica de fora da “encenação mediática” num país que viola direitos humanos

Uma cidade com cheiro a combustível, num país onde violações de direitos humanos são ignoradas, com várias ausências de quem se cansou da “encenação mediática”. O que dizem os críticos da COP29?

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Um cachalote encalhado às margens do mar Cáspio, em Bacu, recorda aos participantes da COP29 que a crise climática também está a pôr em causa a vida marinha ANATOLY MALTSEV / EPA
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A cimeira das Nações Unidas sobre alterações climáticas (COP29) arrancou na segunda-feira, em Bacu, no Azerbaijão, numa altura em que as recentes tempestades que provocaram mais de duas centenas de mortos em Espanha são exemplo do agravamento de fenómenos climáticos e meteorológicos extremos que justificam a necessidade de acelerar políticas que travem o aquecimento global.

A COP29 ficará marcada pela ausência dos presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, assim como da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, entre líderes de vários países que tradicionalmente participam no segmento de alto nível que marca o arranque da cimeira. Mas se estas são ausências justificadas com questões de agenda, há governantes que decidiram não estar presentes em protesto contra as "promessas vazias e inacção", como é o caso do Governo da Papuásia-Nova Guiné, que anunciou em Agosto que não enviaria ministros para a COP29.

Mas as ausências contam-se também no campo do activismo, com várias organizações e personalidades a rejeitarem estar presentes. Eis um apanhado das ausências, críticas e protestos contra esta COP29.

COP com cheiro (literalmente) a combustível

À chegada a Bacu, a "primeira coisa em que provavelmente repararão é no cheiro a petróleo", descreve Fiona Harvey, uma das editoras de ambiente do jornal britânico The Guardian. A ironia da escolha da cidade onde se irá decidir os próximos passos sobre o fim dos combustíveis fósseis é clara: "O odor paira pesadamente no ar, prova da abundância de combustíveis fósseis neste pequeno país nas margens do mar Cáspio. As chamas das refinarias iluminam o céu nocturno e a cidade está salpicada de pequenos poços de bombagem que sobem e descem os seus pistões à medida que são extraídos da terra."

O Azerbaijão tem apostado a sua economia no petróleo desde meados do século XIX, com os combustíveis fósseis a constituírem actualmente 90% das suas exportações — é daí que vem a classificação como "petro-Estado". No final da semana passada, aliás, os media britânicos denunciaram que o director executivo da COP29, Elnur Soltanov, aproveitou negociações (encenadas por uma ONG ambientalista) para propor negócios de venda de gás e petróleo, uma revelação que pôs ainda mais em causa os poucos pergaminhos do Azerbaijão para liderar as negociações.

Sombra dos EUA

O resultado das eleições presidenciais norte-americanas foi um balde de água fria na contagem decrescente para o início da COP29, com a vitória de Donald Trump, que prometeu voltar a retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, abandonando a estratégia focada em energias limpas promovida por Joe Biden em favor das políticas “drill, baby, drill”.

Contudo, muitos têm também notado que os EUA já são o maior produtor de petróleo e gás actualmente, com um aumento de 20% nas licenças de petróleo e gás emitidas durante a Administração Biden — supostamente mais "amiga do ambiente" — em relação ao primeiro mandato de Trump.

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“O resultado desta eleição será visto como um grande golpe para a acção climática global, mas não pode nem vai travar as mudanças em curso para descarbonizar a economia e cumprir os objectivos do Acordo de Paris”, declarou Christiana Figueres, antiga responsável pelo clima da ONU e uma das arquitectas do Acordo de Paris.

Biodiversidade encalhada na praia

Um enorme cachalote de 16 metros, com um cheiro fétido, está encalhado na costa do mar Cáspio, o maior lago do mundo, desde segunda-feira. O cachalote não é real, mas sim uma instalação hiper-realista do colectivo Captain Boomer para chamar a atenção para as consequências das alterações climáticas e da pesca intensiva, criada a partir de moldes de baleias verdadeiras — o seu cheiro provém de baldes de peixe em decomposição escondidos nas proximidades.

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Um cachalote encalhado às margens do már Cáspio, em Baku, recorda aos participantes da COP29 que a crise climática também está a pôr em causa a vida marinha Aziz Karimov / Reuters

Desde que foi criada há uma década, esta baleia tem percorrido cidades da Europa à Austrália. “Quando achamos que a história faz sentido, aparecemos numa cidade”, diz Bart Van Peel, do Captain Boomer, citado pela CNN. Agora, o colectivo decidiu “encalhar” o cachalote às margens de Bacu até ao fim da COP29, recordando que a crise climática tem impactos também na crise da biodiversidade — pondo em risco, entre outros habitats, toda a vida marinha.

Greta denuncia crise de direitos humanos

"Durante a rápida escalada das crises climática e humanitária, mais um petro-Estado autoritário e sem respeito pelos direitos humanos acolhe a COP29" — é com estas duras palavras que a activista climática Greta Thunberg, fundadora do movimento internacional Fridays For Future (Greve Climática Estudantil), começa um artigo de opinião no jornal The Guardian onde explica porque é que não pretende pôr os pés na cimeira anual da ONU sobre o clima.

"As reuniões da COP provaram ser conferências de greenwashing que legitimam os fracassos dos países em garantir um mundo e um futuro habitáveis e permitiram também que regimes autoritários como o Azerbaijão e os dois anfitriões anteriores — os Emirados Árabes Unidos e o Egipto — continuassem a violar os direitos humanos", escreve ainda Thunberg.

A jovem activista sueca, hoje com 21 anos, considera a ironia do mote “COP da paz”: "É, no mínimo, angustiante falar de paz global depois das terríveis violações dos direitos humanos cometidas pelo regime de Aliyev do Azerbaijão contra pessoas de etnia arménia que vivem na região de Nagorno-Karabakh/Artsakh."

A activista, claro, não foi a primeira a denunciar as violações de direitos humanos no país. Em Outubro, o Parlamento Europeu (PE) aprovou uma resolução em que condena a repressão do Azerbaijão, com “mais de 300 prisioneiros políticos”. O PE “considera que o corrente abuso dos direitos humanos no Azerbaijão é incompatível com ser o anfitrião da COP29”, pedindo à União Europeia para “acabar com a sua dependência da exportação de gás vinda do Azerbaijão”.

"Encenação mediática", lamenta Quercus

Em Portugal, a associação de conservação da natureza Quercus decidiu não participar na COP29 por considerar a cimeira do clima uma "encenação mediática", realizada num país onde se vive "uma crise de direitos humanos".

A Quercus justifica que optou por não se deslocar a mais uma conferência onde as acções essenciais já são conhecidas, mas "raramente executadas com coragem". "A Quercus entende que realizar a COP em mais um país produtor de petróleo é um indicador de que teremos fracas perspectivas para dar resposta efectiva e atempada às necessidades para limitar o aquecimento global e combater as alterações climáticas, fazendo cumprir as reduções estabelecidas no Acordo de Paris", lê-se no comunicado enviado no primeiro dia da conferência.

Além das preocupações ambientais, a Quercus considera "desconcertante" participar numa COP num país onde os direitos humanos são "sistematicamente violados e as vozes críticas silenciadas", com "detenções arbitrárias" e repressão de jornalistas, defensores de direitos humanos e activistas civis.

Para a Quercus, o mundo já não tem tempo para cerimónias diplomáticas, quando a temperatura global e a frequência de fenómenos extremos disparam: "É hora de exigir medidas reais, de forma transparente e comprometida, para reduzir emissões e proteger o futuro dos nossos ecossistemas e comunidades." "As políticas actuais estão a arrastar-nos para um cenário catastrófico de 3,1°C de aquecimento global pós-era industrial e as pessoas e ecossistemas estão a pagar um preço terrível. Há muito que é tempo de agir", adverte a Quercus.

"Desenhadas para falhar", acusa Climáximo

O movimento Climáximo considera que a cimeira do clima é "uma fraude", apontando a divulgação de um vídeo do chefe executivo da COP29 a discutir alegadamente potenciais acordos para a expansão de combustíveis fósseis.

"Nenhuma solução virá destas conferências, que são desenhadas para falhar: todos os anos os líderes globais sentam-se à mesa de negociações com milhares de lobistas dos combustíveis fósseis para decidirem como é que vão continuar a expandir a queima de petróleo, gás e carvão e a enriquecer à custa da devastação do mundo inteiro", considera o Climáximo, em comunicado.

"Este é mais um episódio na telenovela do colapso civilizacional" que contou nas últimas semanas com um Orçamento do Estado que "praticamente ignora a crise climática" e com a eleição de "um negacionista climático nos EUA", afirma Inês Teles, uma das porta-vozes do movimento. O Climáximo apela ainda a que a sociedade "pare de aceitar a destruição em curso", juntando-se à manifestação Parar Enquanto Podemos, agendada para Lisboa no dia 23 de Novembro.