“Investigadores-chiclete”: mastiga e deita fora
As universidades beneficiam do trabalho dos investigadores, mas, ao mesmo tempo, encaram a maioria deles como um problema que precisa de ser gradualmente eliminado ou mantido na precariedade.
A Universidade de Coimbra (UC), uma das mais antigas do mundo, consolidou-se, ao longo dos séculos, como uma das mais prestigiadas instituições científicas de Portugal. Esta notoriedade não se deve apenas aos seus edifícios seculares e às suas tradições académicas. Por trás das paredes da universidade, docentes e investigadores garantem a qualidade do ensino e produzem conhecimento científico de excelência. São eles que sustentam a reputação da universidade e contribuem para a ascensão da UC aos lugares cimeiros em rankings internacionais, e que é ostentado nas capas dos jornais e em outdoors pendentes nas paredes dos edifícios.
As funções dos investigadores não se limitam às atividades laboratoriais ou à publicação de artigos científicos. Eles desempenham também funções de docência, supervisão de alunos de mestrado e doutoramento, comunicação de ciência, prestação de serviços à comunidade e atividades de gestão nas unidades de investigação e departamentos.
Além disso, são fundamentais na captação de financiamento, muitas vezes obtido em concursos internacionais altamente competitivos. Este trabalho ajuda a projetar a UC internacionalmente e a continuar na vanguarda do conhecimento em diversas áreas, desde as ciências exatas às ciências sociais e humanas.
Contudo, a importância dos investigadores contrasta de forma dramática com a realidade que muitos enfrentam — a precariedade. A maioria destes profissionais sobreviveu, durante décadas, de bolsas financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), e vê agora o seu primeiro contrato de trabalho (ao abrigo do DL57/2016) prestes a terminar, sem qualquer perspetiva de continuidade.
O programa FCT-Tenure, criado para promover a contratação permanente de investigadores doutorados, lançou 1100 vagas a concurso na sua primeira edição, mas apenas 63 das 175 candidaturas preparadas pela UC foram financiadas (36%). A Faculdade de Ciências e Tecnologia, a mais produtiva em termos de publicações e captação de financiamento na UC, conta atualmente com 155 investigadores precários, conseguiu apenas 25 posições aprovadas (16%); uma taxa de financiamento claramente insuficiente para garantir o capital humano necessário à manutenção da atual qualidade científica e que reflete uma estratégia desastrosa.
As poucas posições obtidas pela UC excluem muitos investigadores e áreas de investigação essenciais para enfrentar os desafios globais do nosso tempo. Os números demonstram a falta de reconhecimento pelo trabalho dos investigadores com contrato e o aparente desinteresse da instituição em manter estes profissionais.
As universidades beneficiam do trabalho dos investigadores, mas, ao mesmo tempo, encaram a maioria deles como um problema que precisa de ser gradualmente eliminado ou mantido na precariedade (para aguçar o engenho?). Com a ineficiente implementação de um programa de integração, mais de uma centena de investigadores da UC estarão, já este Natal ou na viragem do ano, a caminho das filas do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP). Sem perspetiva de estabilidade, muitos investigadores acabarão por abandonar a ciência. Assim são os investigadores: mastigados e deitados fora!
Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico
Filipe Campelo, Igor Tiago, Ivânia Esteves, Luís Fonseca, Romeu Francisco e Susana C. Gonçalves – investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra