COP29: começos turbulentos em Bacu

Mais uma COP. Para mim, a 5.ª; para o mundo das negociações, a 29.ª. A COP acontece desde antes de eu nascer e, ano após ano, o palco para os interesses fósseis cresce, lado a lado com as emissões.

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A COP29, a conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas deste ano, começou nesta segunda-feira em Bacu, no Azerbaijão. Enquanto delegada, cá estarei durante as próximas duas semanas — com especialistas e activistas de todo o globo — a contribuir para os esforços da sociedade civil e para o progresso das negociações.

Sinto-me como um disco riscado ao repetir que a cimeira ocorre após um ano marcado, por um lado, por recordes de temperatura e, por outro, por recordes de lucros das petrolíferas. Estamos a viver o mesmo filme, ano após ano. Na semana passada, o Sudeste de Espanha sofreu mais de um ano de chuva em apenas oito horas. Acabámos de enfrentar o Verão mais quente já registado no hemisfério Norte. A Ásia, África e América Latina foram devastadas pelos extremos climáticos de 2024, enquanto, nos EUA, os furacões causaram danos de milhares de milhões de dólares. A crise climática tem vindo a mostrar as suas diferentes facetas ao redor do mundo, enquanto cientistas nos alertam: o futuro da humanidade está em risco.

Neste ano, a COP29 está a chamada Finance COP. E há razões para isso. O foco das negociações climáticas desde ano está na área do financiamento climático, em concreto, no estabelecimento das bases para um novo acordo global: o Novo Objectivo Colectivo Quantificado de Financiamento Climático (NCQG).

Este objectivo está a ser negociado há algum tempo, e agora serão discutidas nove páginas de um documento de negociação que, na Conferência de Bonn, em Junho, começou com 63. Ao acompanhar este processo, algo ficou claro para mim: as divergências entre o Norte e o Sul Global são um bloqueio a qualquer avanço real. Mas a sociedade civil tem exigências claras: sobre quantidade de financiamento, que seja justa e baseada na ciência, para responder às necessidades reais dos países mais afectados; sobre a qualidade dos fundos, que sejam concedidos como subvenções, e não como empréstimos; que haja metas específicas para mitigação, adaptação, e também perdas e danos – os três pilares da acção climática; e que o financiamento venha, em grande parte, do sector público.

Afinal de contas, está na hora de o Norte Global assumir a sua dívida histórica e contribuir de forma justa para o futuro do planeta. O colonialismo sempre explorou e extraiu recursos, e essa lógica ainda está viva hoje. As nações desenvolvidas apresentam o financiamento climático como um “esforço partilhado”, ignorando que a sua riqueza vem de séculos de extracção de recursos naturais e humanos. O NCQG deveria representar um novo capítulo, mas os mesmos padrões de exploração persistem. A promessa de 100 mil milhões de dólares anuais, feita na COP15 de 2009 e que o NCQG visa substituir, só foi cumprida em 2022, por meio de empréstimos que aprofundaram as dívidas dos países vulneráveis, perpetuando a injustiça climática e agravando ainda mais a desconfiança entre o Sul e o Norte Globais.

Num mundo cada vez mais marcado por eventos climáticos extremos, os impactos económicos destes desastres são desproporcionalmente graves nos países mais pobres. Por isso, estabelecer uma meta financeira que responda adequadamente às necessidades destas nações é fundamental para alcançar justiça climática.

Mas atenção: não podemos falar de financiamento sem falar de ambição. Ao abrigo do Acordo de Paris, os países comprometem-se a actualizar os seus compromissos climáticos nacionais (conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas –​ NDC na sigla em inglês) a cada cinco anos. A próxima ronda de submissões é até Fevereiro de 2025 e, durante a COP, os países devem indicar as suas intenções em relação aos novos NDC que irão apresentar – e é aqui que entra, também, a necessidade de os países se comprometerem com o abandono dos combustíveis fósseis. A matemática é simples: os NDC são a moeda de troca do Acordo de Paris. Sem um acordo financeiro, muitos dos próximos planos climáticos dos países mais vulneráveis serão mais fracos, reduzindo ainda mais as hipóteses de limitar o aquecimento a 1,5°C, já que esses países precisam de recursos disponíveis para implementar planos mais ambiciosos.

A pouca esperança que alguns poderiam ainda ter acerca desta cimeira pode ser esmagada ao sabermos que um país produtor de petróleo e gás, que planeia expandir significativamente a produção de gás fóssil na próxima década, será o anfitrião de uma cimeira que, teoricamente, visa reduzir os combustíveis fósseis. O Azerbaijão prevê uma grande expansão da produção de gás fóssil nos próximos anos, com a Socar, a sua empresa estatal de petróleo e gás, a planear aumentar a produção anual de gás de 37 mil milhões de metros cúbicos (bcm) para 49 bcm até 2033, além de aumentar as exportações de gás para a União Europeia em 17% até 2026.

Sabemos que o negócio dos combustíveis fósseis é a principal causa das catástrofes climáticas que devastam vidas e comunidades em todo o mundo. Em Portugal, vemos exemplos como o da Galp, que registou os seus maiores lucros de sempre nos primeiros nove meses do ano. Em plena crise climática, não há coincidências: enquanto as empresas de combustíveis fósseis lucram biliões, nós sofremos perdas de biliões.

Durante as próximas duas semanas, além de intensas negociações, veremos reivindicações e propostas vincadas da sociedade civil. Questões essenciais como financiamento climático, abandono dos combustíveis fósseis, género e direitos humanos estarão no centro de diversos protestos, que irão preencher os corredores frios e impessoais da cimeira com a coragem e determinação de quem exige justiça. O planeta, as pessoas e as próximas gerações dependem de nós.