Ímpar
Depois da tempestade, a coragem
Bem-estar, famílias e relações, moda, celebridades... Um mundo que não é fútil.
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Na segunda-feira fui para o Algarve, em trabalho, e a viagem fez-se de conversas, umas mais fúteis, outras banais, outras ainda com alguma seriedade sobre o futuro dos EUA e, por consequência, do mundo. Citei o artigo de Francisco Mendes da Silva, que alertava para a possibilidade de Trump ganhar e as razões por que chegaria à Casa Branca. "Não, impossível, os americanos não podem escolher um criminoso!", ouvi e calei, na esperança que assim fosse.
O regresso a Lisboa fez-se na quarta-feira de manhã e viemos num silêncio sepulcral, interrompido por frases soltas de incompreensão com os resultados das eleições. Trocámos palavras como: "A América, uma ditadura...", "Bom resultado para Putin e Netanyahu", "Uma vitória contra os direitos das mulheres", "Os homens odeiam mesmo as mulheres". Silêncio no carro e a cabeça num turbilhão. O mais difícil foi a troca de mensagens com os miúdos.
Às 7h37, escrevo uma mensagem: "O Trump ganhou..." Ele responde: "Não dormi nada de jeito, estava sempre a acordar para ver os resultados... E depois não dormia porque ele ia à frente." Ela manda vários emojis de corações partidos. E se me apetece carpir com eles, acredito que tenho de os apaziguar, que pode não ser tão mau como o Projecto 2025 antecipa. "É o princípio do fim, estamos a entrar num mundo distópico", responde ela. Já não são crianças e já não vale a pena tentar enganá-los. Há que fazer o luto, tentar compreender o que se passou e perceber como reagir, sem perder a esperança, insisto. "Deus providenciará", recorro à providência divina que, sei, não exclui a nossa responsabilidade nas decisões, mas que nos ajuda a ter confiança.
Depois da incredulidade, procuramos todas as razões e justificações. Ainda no dia das eleições, a actriz Demi Moore estava a promover o filme A Substância e declarou: "A América foi construída por puritanos, fanáticos religiosos e criminosos." Acrescentando: "Estamos a ver isso mesmo nas eleições de hoje." Ao longo da campanha, fomos assinalando a quantidade de celebridades que se foram associando à candidatura de Kamala Harris (e também à de Trump). Por isso, fazia todo o sentido perceber como reagiram à derrota da candidata democrata.
Stephen King, autor de best-sellers como The Shinning, alertou no X, antigo Twitter, para os perigos de eleger o candidato republicano. No dia 6 escreveu:"Há um sinal que se pode ver em muitas lojas que vendem objectos bonitos mas frágeis: -É bonito de se ver, agradável de segurar, mas quando se parte, é vendido.’ O mesmo se pode dizer da democracia.". Escreveu Madonna numa story que partilhou no Instagram: "Estou a tentar perceber porque é que um criminoso, um violador, um racista foi escolhido para liderar o nosso país. Porque é bom para a economia?".
A vida continua e Kim Kardashian lançou a sua campanha para o Natal — tendo sido criticada pelos seus fãs pelo timing para o fazer, após a vitória de Trump — e Mariah Carey regressa com o seu êxito com 30 anos, trinta, All I want for Christmas is you. Desta vez, até o Google assinala a celebração, veja como.
Também os comediantes Stephen Colbert, Jimmy Fallon e Jimmy Kimmel, entre outros, reagiram à vitória de Trump nos programas que apresentam nas várias cadeias de televisão norte-americanas, ao final da noite. "Durante todo o dia de ontem, andei por aí orgulhosamente com o meu autocolante 'Eu votei'", contou Colbert no seu monólogo. "Hoje usei o meu autocolante 'Estou a questionar a minha crença fundamental na bondade da humanidade'.".
É certo, questionamos a "bondade da humanidade". E, por isso, nunca a educação para a cidadania foi tão importante. Foi numa noite de insónia que Catarina Furtado teve a ideia de fazer o podcast Ponto de Luz, que junta professores e alunos que não se conhecem a falar sobre um tema ligado aos direitos humanos. O primeiro de seis episódios, que serão lançados todas as quintas-feiras, pode ser ouvido aqui. "Tenho a convicção de que é sobretudo na escola que nos formamos enquanto cidadãos, que partilhamos esta humanidade", declara a apresentadora e embaixadora da Boa Vontade.
E, por falar em podcasts: Ana e Isabel Stilwell reflectem sobre a relação dos netos com os avós — "como reagir quando os netos nos viram as costas?" —; e Liliana Carona revela-nos como "o amor é simples". E, por falar em amor: Nelson Marques conta-nos sobre Filipa, "a mulher que nunca sofreu de amor", e Inês Meneses escreve sobre uma despedida difícil.
Há momentos difíceis na nossa vida, momentos em que só nos apetece voltarmos a ser pequenos. Elsa de Barros parte do livro Grandir, elogio da idade adulta numa época que nos infantiliza, da filósofa Susan Neiman, para reflectir sobre a dificuldade dos jovens em crescerem, como descobrem que, afinal, a vida adulta não é tão luminosa como lhes disseram que seria e como se resignam — por exemplo, há anos que ouvimos discursos de ódio que banalizámos, que normalizámos e que, por isso, chegamos ao ponto de concedermos que um homem condenado possa ser presidente dos EUA, digo eu, não a autora.
Voltando a Elsa de Barros, segundo Susan Neiman, "o problema é que o choque experimentado ao descobrir que o mundo não é tão luminoso como parecia começa gradualmente a dissipar-se quando somos adultos. Embora continuemos a sentir-nos perturbados com determinadas injustiças, parece que nos habituamos. A indignação torna-se tão difícil de acordar, quanto o encantamento que a precedeu".
Por isso, é preciso coragem, escreve a professora do 1.º ciclo: "Coragem para transformar o nosso fragmento de mundo de modo a assemelhar-se o mais possível àquilo que deveria ser. E coragem para contrariar as forças que se opõem incessantemente à maturidade. Porque os verdadeiros adultos não se contentam com pão e circo."
Boa semana!